Foi lamentável sua conduta quanto à relevância dada ao ocorrido. Você sabe como ela é, inteiramente livre no pensar e no agir. O fato de ter uma condição libertária na forma de pensar e na prática da vida lhe permitia enfrentar o senso comum com autoridade emprestando ainda mais autenticidade a sua existência.
Ao redor dela havia um muro grandioso e imponente que a blindava, e este fato nunca me deu espaço suficiente para entender e questionar em sua totalidade o que havia dentro dela, eu expliquei. Eu a admiro simplesmente e ponto final. Ela nas nossas conversas sempre me protegeu da feiúra e da miséria que em grande parte é o pilar da nossa sociedade.
Nunca sofismou em pensamento procurando a indução do erro com aparente lógica, buscando enganar o mais simples ou o mais sofisticado ser humano que a procurasse. É uma pessoa rara. Afirmo que, em conversa comigo, ela me encantou ao afirmar "a arte proporciona o sonho e o futuro, tornando-os conscientes segundo a psicanálise”.
Não era uma assertiva totalmente original, uma vez que alguns já afirmavam esta relação entre a arte e o surrealismo como expressão da criação por vezes inconsciente. Ela não se impressionou com minha divagação “inteligente e compreensível” que procurava explicar a criação como um momento superior de um indivíduo.
Eu dei início a um acúmulo de admirações, talvez em excesso, talvez por não conhecer o que existia no interior do muro que a cercava, eu não sei, mas acreditei claramente imaginar saber por algum tempo. Ela olhou para mim e aproximando seu rosto do meu afirmou que eu era um pretensioso procurando esconder minhas fragilidades. Girou sobre seu próprio eixo e foi embora.
Pareceu-me ouvir ainda ela murmurar que o muro que eu via em torno dela realçava minha ingenuidade.