Gosto, sempre gostei de anotar. Passando as folhas de um caderno de 2006 encontro essa fineza de recomendação num manual de jornalismo...

Negros, e daí?

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Gosto, sempre gostei de anotar. Passando as folhas de um caderno de 2006 encontro essa fineza de recomendação num manual de jornalismo que evito classificar: “Não dizer negro, mas afrodescendente.”

Pergunto eu: a ofensa ao negro não será mais ostensiva? O afrodescendente esconde a cor ou o preconceito?

Aos 12/13 anos sentei-me numa carteira escolar do Pio XI de Campina ao lado de um dos mais belos negros de minha fraterna convivência. Tinha uma imperfeição que dava na vista e da qual se espremia,
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Rolf Dobberstein
já crescido, para disfarçar: não gostava que lhe chamassem de gordo. Mas não brigava, até sorria. O pai, empresário na área dos transportes, era homem de posses, respeitável e bem-humorado. Vinha na direção de um dos seus caminhões quando, saindo de Goiana, freia para ouvir um pedido de carona, não a ele, mas ao vizinho de boleia, um branco, que aponta: “O dono é ele, eu sou empregado”. Quem contava isso, rindo, era ele mesmo, seu Adolfo.

Anos depois, voltamos a nos encontrar e reatar a amizade para nós sempre juvenil. Eu de jornal em jornal, Raimundo Adolfo, formado engenheiro, plantado para a vida inteira no DER, uma repartição de homens-modelos que prefiro não nomear para não incorrer na omissão. Basta dizer que Raimundo era um deles. Ninguém, de Carlos Pereira de Carvalho e Silva ao tratorista ou ao servente se lembrava de que Adolfo fosse negro. A cor bem visível, retinta, os dentes bem claros a iluminar seu riso, e a personalidade realçando aquela presença nem superior nem inferior a ninguém.

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Biu Ramos TV Câmara JP
“Quem tem personalidade, põe-na onde quer que ponha a mão, e talvez tanto mais quanto mais queira ocultar-se”. Quem sabe dizer, diz assim. É o velho Unamuno falando de Flaubert.

“Sou negro, e daí?”- arretou-se Biu Ramos, um dos sócios do Clube da M. que prefiro chamar, saudosamente, de clube do bom humor, reunindo num banco de praça em frente à antiga A União, os melhores papos da redação, liderados pelo e Linduarte Noronha. Uma vez ou outra, de passagem, se achegava o desembargador João Santa Cruz, nosso vizinho do jornal. O fundamental no clube era o humor e o ingresso dependia do primeiro caso ou da primeira anedota. Biu entrou na primeira. Era negro assumido, sem dar a mínima para eufemismos como o recomendado em manual.

Samuel Amaral, na biografia ricamente circunstanciada que dedica a Biu Ramos, fazendo-nos reviver fases e momentos que rogamos jamais se repetir, traz esta lição de homem superior ao artifício. De uma entrevista a Ademilson José, Samuel traz de volta esta rica lição do “timoneiro da arca dos sonhos” – subtítulo do livro:

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“Se você admitir a sua negritude, como eu admiti a minha, os meus defeitos, inclusive físicos, e encarar com a maior naturalidade, as pessoas começam a te respeitar. Foi o que aconteceu comigo quando ingressava no plenário da Assembleia Legislativa, cheio de deputados, de taquígrafos (...) eu tinha segurança do que eu era: um jornalista, um repórter. Nem sou melhor nem pior do que Otinaldo Lourenço, que tinha muito talento também. Mas eu me equiparava a esse pessoal: eu estou aqui porque mereço estar aqui. Eu não estou aqui por ser negro nem Otinaldo por ser branco”.


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