Eu não sabia, confesso. Mas fiquei sabendo que existe, há poucos anos, na estrutura governamental da Inglaterra um Ministério da Solidão. Isto mesmo, leitor, um Ministério da Solidão, acredite quem quiser. Que coisa extraordinária, pensei. Até para países civilizados e desenvolvidos é algo fora do comum, absolutamente singular, pleno de criatividade e salutares consequências, imagino. Pois não será a solidão um dos males que mais aflige a humanidade, desde sempre, mas bastante acentuado nas últimas décadas, principalmente nos centros urbanos, onde reinam o anonimato e a impessoalidade?
Aqui o surpreendente é o nome. Pois esse ministério poderia se chamar, por exemplo, Ministério de Apoio Psicossocial ao Cidadão, e talvez desse no mesmo, em termos práticos e operacionais. Mas o nome singular faz toda a diferença. Ministério da Solidão. Percebo claramente um toque literário nessa denominação. Terá sido um escritor que a escolheu? Ou um psicanalista letrado? O certo é que esse órgão foi criado pela ex-primeira-ministra Theresa May, uma política conservadora, veja só. Os conservadores (não os reacionários) muitas vezes surpreendem em termos de avanços, para espanto de muitos que se pretendem exclusivos arautos do progresso. Saborosa e pedagógica ironia da política.
Li também que outros países, como o Japão e a Alemanha, já criaram o seu Ministério da Solidão, o que mostra como as boas ideias se alastram em solo fértil. Aqui no Brasil, não importa o governo, creio que dificilmente teremos um dia semelhante órgão: não há cultura nem sensibilidade suficientes para tal. Nossos rasos políticos não sabem o que é solidão, salvo os despojados compulsoriamente do poder e de seus arredores. Estes, sim, privados dos bajuladores e das mordomias de praxe, poderiam escrever, mesmo analfabetos como costumam ser, o romance célebre de Gabriel García Márquez.
Segundo os especialistas ingleses, ao cuidar do problema da solidão, cuida-se simultaneamente de várias doenças físicas e mentais, além, óbvio, de melhorar muito a qualidade de vida das pessoas. Com isso, o governo economiza bastante com a saúde pública, resultando, portanto, em benefícios para todos, governo e população. Parece simples – e é. Como geralmente são as melhores ideias e soluções. Só não percebem os asnos e os que apreciam criar dificuldades para vender facilidades, ou seja, os de sempre. Lembremos que, entre nós, um dos ministérios mais corruptos, há muitos anos, é exatamente o da saúde, riquíssimo em verbas e em espertalhões. Para estes, quanto mais doentes, melhor.
O fato é que, segundo a colunista Dorrit Harazim, os estudiosos verificaram que a solidão possui um potencial mortífero igual a 15 cigarros por dia e a seis doses de bebida alcoólica diárias, sem falar nos problemas cardiológicos e correlatos por ela causados ou agravados. Não é pouca coisa. E tem mais: a solidão, enquanto mal individual, atinge tanto jovens quanto idosos, não tem vítimas preferenciais, salvo os que já vivem socialmente isolados por alguma razão. Neste quesito, sabe-se, em diversos países o isolamento tem raízes culturais, pois é comumente confundido com privacidade, valor bastante apreciado e cultivado por muitos. Aí o problema naturalmente se complica. E se incluirmos nesse rol de males a depressão, que é a solidão elevada ao quadrado, sai de baixo.
Perguntará o desconfiado leitor sobre o que faz esse estranho ministério, na prática. Basicamente, ele toma medidas no sentido de estimular e facilitar a convivência social das pessoas que vivem em estado de isolamento, procura identificá-las e acompanhá-las, através de profissionais treinados, e por aí vai. Sabe-se que nas grandes cidades dos países desenvolvidos o número de idosos que vivem sozinhos, sem familiares ou esquecidos por eles, é significativo. Essa clientela talvez seja a maior e a preferencial do tal ministério.
Para o francês André Comte-Sponville, há que se distinguir isolamento de solidão. Diz ele: “Solidão não é a mesma coisa que o isolamento. Estar isolado é estar separado dos outros: sem relações, sem amigos, sem amores. Estado anormal, para o homem, e quase sempre doloroso ou mortífero. Ao passo que a solidão é nossa condição ordinária: não por não termos relações com os outros, mas porque essas relações não poderiam abolir nossa solidão essencial, que decorre do fato de sermos os únicos a ser o que somos e a viver o que vivemos... É por isso que vivemos sós, sempre: porque ninguém pode viver em nosso lugar. Assim o isolamento é a exceção; a solidão, a regra. É o preço a pagar por ser si mesmo”. Vê-se, assim, que a expressão correta seria Ministério do Isolamento e não da Solidão. Mas aí seria, claro, menos bonito e menos poético. Fiquemos com a poesia, então.
Pessoalmente, acho correta essa distinção feita pelo filósofo. Realmente, podemos ou não ser isolados dos outros, mas solitários seremos necessariamente, sempre, mesmo rodeado por muitos, simplesmente por sermos o que somos, individualmente, cada qual na sua prisão única e incontornável.
Perguntassem a mim que outros ministérios semelhantes poderiam ser criados nessa criativa linha inglesa, não teria dúvidas quanto a dois, pelo menos: Ministério do Pessimismo e Ministério da Desilusão. Ambos teriam, posso afirmar, muito o que fazer.