No livro O futuro do ódio (2008), o psiquiatra e psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun (1945) analisa o embrutecimento humano e o desejo ao crime. Sobre o tema, o autor afirma:
“O ódio está lá, na vida cotidiana, nas cóleras, na violência, na agressividade, claro, mas também nos enganos,
nos erros, assim como nos acertos, na forma como às vezes se olha o outro, no tom de voz, no desejo de dominar, na voracidade, na maneira pela qual se evita responde algo, no como se não vê o outro, no suspense de uma resposta ou na resposta imediata, no ridículo para onde se lança o próximo, na lama... a qual se chega a arrastá-lo, nas mentirosas gentilezas ou nas falsas amabilidades... ou, mesmo, nos silêncios insuportáveis; enfim, examinando-o um pouco mais de perto, é preciso aceitar uma constatação: o ódio habita o ser humano, está na vida, desde o início, sem dúvida, e antes mesmo do que alguém possa lembrá-lo. Então, pergunta-se: quem é ele ou, ainda, de onde ele vem?”
LEBRUM, 2008, p.13
O ódio tornou-se uma pandemia. Ele circula a cidade, manifesta-se na vizinhança, infiltra-se nas instituições e permeia as divisões entre nações. Além disso, pode dizimar a população de um país inteiro ou ser direcionado a uma única pessoa. A origem dessa fúria, quase sempre, está enraizada em circunstâncias socioeconômicas desesperadoras e é disseminada por meio de uma ideologia política ou crença religiosa. O sentimento de raiva fortalece grupos perversos que buscam a destruição, estabelecendo controle e concentração de riquezas nas mãos de uma minoria criminosa, instaurando a opressão total sobre a sociedade. O terror começa quando a violência de seus seguidores não encontra nenhum obstáculo. Atualmente, a agressividade está relacionada ao enfraquecimento das autoridades – sejam elas familiares, políticas ou religiosas — ou ao questionamento do próprio Estado, e, assim, seu propósito reside em canalizar o ódio para a ruína absoluta. O futuro do ódio se manifesta no aumento da violência, estimulando os conflitos bélicos.
Por que os crimes de ódio persistem como parte do cotidiano em todo o mundo? Nos últimos anos, com o avanço da internet, o ódio tem influenciado grupos sociais e nações a se voltarem contra minorias, nacionalidades, sexualidades ou religiões, com o objetivo de causar exclusões, conflitos e guerras. Para responder ao questionamento, frente a essa perversidade, Matthew Williams, sociólogo e professor de criminologia na Universidade de Cardiff (capital do País de Gales), dedicou mais de duas décadas no estudo da compreensão dos preconceitos que levam à extinção de comunidades e até mesmo de países. Buscando entender como o medo do desconhecido se transforma em violência e opressão, ele fez suas pesquisas combinando neurociência, psicologia, sociologia e economia. Seu livro A ciência do ódio (2021) analisa como a raiva se instala na humanidade, como devemos combatê-la e as formas de preconceito neste século.
É importante analisar o ódio a fim de eliminá-lo e priorizar o respeito na convivência com as diferenças e, também, a preservar dignidade humana para solucionar a escassez diante das necessidades vitais à sobrevivência de todos, tanto no presente quanto na construção de um futuro fundamentado na fraternidade. As obras mencionadas ensinam formas menos prejudiciais de lidar com a raiva, permitindo uma autorreflexão para eliminá-la de dentro de si. Williams afirma:
"Descobri que não nascemos para odiar: aprendemos a odiar".
Concluo com um poema-manifesto contra o uso de palavras como munição e armas, que transformam o dia a dia em um campo de batalha para almas invisíveis e ignorantes. O texto é do poeta, artista plástico, jornalista e antropólogo Fernando Rios (1943):
Quero tirar a palavra guerra da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da vida afora
quero tirar a palavra luta da minha fala
porque não posso ainda tirá-la da vida que em outros assola
quero tirar a palavra arma da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da mão assassina
quero tirar a palavra metralhadora da minha fala
já que não posso ainda tirá-la da linha de frente
quero tirar a palavra exército da minha fala
já que não posso ainda e ainda exclui-la dos impérios nações
quero tirar a palavra soldado da minha fala
já que não posso ainda transformá-lo em ave solta
quero tirar a palavra fuzil da minha fala
já que não posso ainda tirá-la do olho cego dos raivosos
quero tirar a palavra granada da minha fala
já que não posso ainda enterrá-la na areia movediça
quero tirar a palavra revólver da minha fala
já que não posso ainda removê-la das mentes covardes e dedos insanos
quero tirar a palavra trincheira da minha fala
já que não posso ainda transformá-la em canteiro de bons sabores e odores.
Quero usar na minha fala
somente tudo o que seja calma e verdade
e sobretudo
que não destrua
nem a minha nem a sua
alma irmandade.
Quero usar na minha fala
isto sim e sempre
ao invés de intrépidos e dolorosos torpedos
suaves, simples e claros argumentos.