No livro O futuro do ódio (2008), o psiquiatra e psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun (1945) analisa o embrutecimento humano e o dese...

Invisibilidade do ódio

raiva desespero inveja
No livro O futuro do ódio (2008), o psiquiatra e psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun (1945) analisa o embrutecimento humano e o desejo ao crime. Sobre o tema, o autor afirma:

“O ódio está lá, na vida cotidiana, nas cóleras, na violência, na agressividade, claro, mas também nos enganos,
raiva desespero inveja
nos erros, assim como nos acertos, na forma como às vezes se olha o outro, no tom de voz, no desejo de dominar, na voracidade, na maneira pela qual se evita responde algo, no como se não vê o outro, no suspense de uma resposta ou na resposta imediata, no ridículo para onde se lança o próximo, na lama... a qual se chega a arrastá-lo, nas mentirosas gentilezas ou nas falsas amabilidades... ou, mesmo, nos silêncios insuportáveis; enfim, examinando-o um pouco mais de perto, é preciso aceitar uma constatação: o ódio habita o ser humano, está na vida, desde o início, sem dúvida, e antes mesmo do que alguém possa lembrá-lo. Então, pergunta-se: quem é ele ou, ainda, de onde ele vem?”
LEBRUM, 2008, p.13

O ódio tornou-se uma pandemia. Ele circula a cidade, manifesta-se na vizinhança, infiltra-se nas instituições e permeia as divisões entre nações. Além disso, pode dizimar a população de um país inteiro ou ser direcionado a uma única pessoa.
raiva desespero inveja
F. Sandys, 1867
A origem dessa fúria, quase sempre, está enraizada em circunstâncias socioeconômicas desesperadoras e é disseminada por meio de uma ideologia política ou crença religiosa. O sentimento de raiva fortalece grupos perversos que buscam a destruição, estabelecendo controle e concentração de riquezas nas mãos de uma minoria criminosa, instaurando a opressão total sobre a sociedade. O terror começa quando a violência de seus seguidores não encontra nenhum obstáculo. Atualmente, a agressividade está relacionada ao enfraquecimento das autoridades – sejam elas familiares, políticas ou religiosas — ou ao questionamento do próprio Estado, e, assim, seu propósito reside em canalizar o ódio para a ruína absoluta. O futuro do ódio se manifesta no aumento da violência, estimulando os conflitos bélicos.

Por que os crimes de ódio persistem como parte do cotidiano em todo o mundo? Nos últimos anos, com o avanço da internet, o ódio tem influenciado grupos sociais e nações a se voltarem contra minorias, nacionalidades, sexualidades ou religiões, com o objetivo de causar exclusões, conflitos e guerras. Para responder ao questionamento, frente a essa perversidade, Matthew Williams, sociólogo e professor de criminologia na Universidade de Cardiff (capital do País de Gales), dedicou mais de duas décadas no estudo da compreensão dos preconceitos que levam à extinção de comunidades e até mesmo de países. Buscando entender como o medo do desconhecido se transforma em violência e opressão, ele fez suas pesquisas combinando neurociência,
raiva desespero inveja
J. Whitehouse, 1892
psicologia, sociologia e economia. Seu livro A ciência do ódio (2021) analisa como a raiva se instala na humanidade, como devemos combatê-la e as formas de preconceito neste século.

É importante analisar o ódio a fim de eliminá-lo e priorizar o respeito na convivência com as diferenças e, também, a preservar dignidade humana para solucionar a escassez diante das necessidades vitais à sobrevivência de todos, tanto no presente quanto na construção de um futuro fundamentado na fraternidade. As obras mencionadas ensinam formas menos prejudiciais de lidar com a raiva, permitindo uma autorreflexão para eliminá-la de dentro de si. Williams afirma:

"Descobri que não nascemos para odiar: aprendemos a odiar".

Concluo com um poema-manifesto contra o uso de palavras como munição e armas, que transformam o dia a dia em um campo de batalha para almas invisíveis e ignorantes. O texto é do poeta, artista plástico, jornalista e antropólogo Fernando Rios (1943):

Quero tirar a palavra guerra da minha fala já que não posso ainda tirá-la da vida afora quero tirar a palavra luta da minha fala porque não posso ainda tirá-la da vida que em outros assola quero tirar a palavra arma da minha fala já que não posso ainda tirá-la da mão assassina quero tirar a palavra metralhadora da minha fala já que não posso ainda tirá-la da linha de frente quero tirar a palavra exército da minha fala já que não posso ainda e ainda exclui-la dos impérios nações quero tirar a palavra soldado da minha fala já que não posso ainda transformá-lo em ave solta quero tirar a palavra fuzil da minha fala já que não posso ainda tirá-la do olho cego dos raivosos quero tirar a palavra granada da minha fala já que não posso ainda enterrá-la na areia movediça quero tirar a palavra revólver da minha fala já que não posso ainda removê-la das mentes covardes e dedos insanos quero tirar a palavra trincheira da minha fala já que não posso ainda transformá-la em canteiro de bons sabores e odores. Quero usar na minha fala somente tudo o que seja calma e verdade e sobretudo que não destrua nem a minha nem a sua alma irmandade. Quero usar na minha fala isto sim e sempre ao invés de intrépidos e dolorosos torpedos suaves, simples e claros argumentos.

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  1. Excelente e oportuna reflexão. Sobre uma questão, infelizmente, atualíssima. Parabéns, Klebber.

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