No Dia das Crianças, meu pensamento voltou-se ao tempo quando morava no sítio Taquio, santuário de minha infância, edificado pelo trabalho de meus antepassados, alicerce de minha vida adulta e repouso na velhice.
As cantigas de ninar cedo estiveram comigo e meus irmãos. Como embalou na rede os filhos, mamãe também utilizou essas canções enquanto embalava os netos no colo.
Mamãe entoava modinhas de ninar aprendidas com seus antepassados. Gesto repetido na criação dos 12 filhos. Quando cantava, com voz suave, dava inflexão gutural para não acordar o marido.
Nos tempos passados, onde morávamos, naquela região solitária, os mais velhos embalavam crianças, com cantigas de ninar. Em todos os recantos do Nordeste, bem recente, certamente acontecia o mesmo.
Essas canções de acalanto são universais, trazidas até nós pelos portugueses e pelos os africanos.
Nas alcovas das casas grandes e nos recintos das senzalas, algumas dessas cantilenas botavam medo nas crianças. Se espalharam pelo mundo porque são eficazes para acalmar os bebês, para afugentar o bicho-papão, o boi da cara preta, o pavão misterioso. Ainda hoje, quando escutam alguém cantar uma dessas modinhas, as crianças passeiam pelo mundo da imaginação e adormecem.
Não sei se as mães de cantam, como antigamente, essas canções carinhosas e inesquecíveis, para acalmar os nenéns. Talvez não saibam do enorme prazer que fazem às crianças.
Quando ou onde surgiu a primeira cantiga de ninar pouco sabemos, mas o poeta romano Pérsio, no primeiro século da Era Cristã, falava de sua existência. O poeta romano Ausônio, do século IV depois de Cristo, recomendava a Sexto Petrônio, que seu filho escutasse as estórias contadas pela ama.
A população do Nordeste, no rudimentar folclore, cultivou a canção para fazer menino pequeno dormir - menino chorão, manhoso, malcriado -, herdada de Portugal, com exceção das cantigas de mucuru, entoadas pelos indígenas, desde antes de Pedro Álvares Cabral chegar no Brasil.
A maioria das cantigas de acalentar conhecidas em nossa região veio nos porões das caravelas ou com as primeiras famílias portuguesas.
Os cânticos que os portugueses trouxeram, os provérbios usados pela população primitiva, as superstições e demais manifestações folclóricas próprias dos lusitanos, se eternizaram através de gerações, nestes cinco séculos.
A ama-de-leite contribuiu para propagar esse modo de acalanto.
Com a chegada da escrava africana, esta passou a ocupar espaço na vida familiar do Nordeste, emprestou seus seios para amamentar os filhos dos donos das terras, transmitiu suas cantigas com imensa simplicidade. Algumas foram adaptadas aos costumes da região. Houve modificações na letra, na estrutura do verso, na elaboração da frase e no linguajar português de algumas dessas modinhas e ditos, sem que mudasse a sua essência primordial.
Um acalanto de procedência portuguesa, usado no Nordeste, foi este: “Chô, Chô, pavão/Sai de cima do telhado/Deixa o menino dormir /Seu sono sossegado ...”
Muito escutei essa modinha e mais de seis décadas depois lembramos com emoção dos momentos quando minha avó, assim como mamãe, cantava para nós.
Em certas ocasiões, a pedido de mamãe, na idade do entendimento, entoava esses cânticos para embalar na rede meus irmãos mais novos. Adulto, quando a mulher estava nos afazeres de casa, utilizava o que aprendi quando criança para embalar na rede nossos filhos que choramingavam, mesmo sem muito sucesso. Mais recente, tentei acalentar nossos netos, mas desafinei.
No entardecer da vida, ao olhar o horizonte desanuviando, recordo o que passei em Serraria. Mesmo encontrando pedras no caminho, o tempo as removeu e ficaram as lembranças.