O PRESENTE O pacote chegou de manhã. Nenhuma referência ao remetente. Abri-o, mecanicamente. Bem na frente, um bilhete: “Antes de...

Arco-íris

poesia paraibana marineuma oliveira

O PRESENTE

O pacote chegou de manhã. Nenhuma referência ao remetente. Abri-o, mecanicamente. Bem na frente, um bilhete: “Antes de morrer, ele me pediu para devolver as cartas que você lhe escreveu”. Nós nos conhecemos na quermesse. Era a primeira vez que aparecia na cidade. Vinha a trabalho, de passagem. Seus beijos, os únicos que experimentei na vida. Desse modo foi até a correspondência cessar, sem que ele voltasse uma vez sequer. Lembrei, com amargura, das últimas palavras que dissera a mim, num sussurro, por ocasião da despedida: “Talvez eu tenha encontrado quem procurava”. Toquei fogo no embrulho e fui tomar café.


NO CANTO DA BOCA

Ela reclama do sorriso no canto da boca. Já espera de mim essa reação sempre que vai falar algo de que, certamente, vou discordar. Eu me sinto injustiçado nas discussões, porque ela usa argumentos que calam minhas frases de efeito, treinadas, à espera de oportunidade para lhe jogar tudo na cara. Não tolero seus desperdícios, as vaidades, o querer estar em lugares badalados, com roupa nova, de grife, em meio a intelectuais, descontraídos, conversa boa, cheia de música e de livros da moda. Prefiro cerveja gelada, conversa fiada, interminável, sobre política e times do coração. Gosto de beber muito, até cair, não saber mais onde estou e mijar no guarda-roupa, pensando que é o banheiro. Isso ela não suporta. E, pela manhã, quando acontece (o que não é raro), não tenho mais como esboçar o risinho irônico. Perdi a razão. Fica sem falar comigo, faz-se de rogada e segue ignorando minha angústia por querer continuar a seu lado. Vá lá entender isso.


ARCO-ÍRIS

Nunca teve lápis de cor. A outra ganhou uma caixa novinha, trinta e seis cores, de encher os olhos. Não contou conversa: pegou para si os cotocos que a colega de turma teimava em usar para não gastar os novos. A tia da menina foi na casa dela dizer a sua mãe que ela roubara os lápis da sobrinha. Jurou que nada sabia e se surpreendeu com a certeza da sua inocência com que a mãe a defendeu. Sentiu vergonha. E quando anoiteceu, sem que ninguém visse, deixou o arco-íris na porta da dona.


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