A julgar pelo título, poderia ser mais um filme sobre o animal mamífero. No entanto, trata da história de Charlie, um professor de literatura inglesa, gay, obeso, pesando quase 300kg. Dirigido por Darren Aronofsky, a obra fílmica, ainda em cartaz nos cinemas, é protagonizada por Brendan Fraser, conhecido amplamente por sua participação em “A múmia”.
A saga do nosso (anti)herói retrata diversos aspectos da psicologia humana. Na trama, Charlie enfrenta a dor física e psicológica. Não bastasse sua saúde fragilizada pela obesidade, deve encarar a sua filha, a qual foi abandonada por ele, quando resolveu se divorciar para se envolver afetivamente com outro homem.
A sensação que temos constantemente é de dor pelos gemidos frequentes emitidos pelo docente, em virtude da sua dificuldade de locomover-se, tanto que temos a impressão de que somos impulsionados a literalmente pular da cadeira toda vez que Charlie se assenta.
Numa espiral de problemáticas, o drama se intensifica ao tratar temas, como a repressão (ou ódio), oriunda de determinados preceitos religiosos, o quanto o ser humano não é capaz de enxergar suas próprias mazelas, mas tem facilidade de apontar as dos outros, revelando a hipocrisia e a falta de empatia que assolam a sociedade desde sempre.
Em relação ao conflito familiar, Charlie se vê cercado de culpa por ter abandonado a filha, embora desejasse aproximação, porém era interceptado pela ex-mulher, que se sentia rejeitada por ter sido “trocada” por um homem. Em seu discurso, parece que haveria aceitação se tivesse sido substituída por outra pessoa do sexo feminino. No entanto, diante do ressentimento para com o ex-marido, despeja seu remorso no fruto da relação: a filha de ambos, uma adolescente de 16 anos, que acredita que o mundo está repleto de idiotas.
Ao não se ver compreendida pelos pais, sente-se desamparada por todos, utilizando como recurso os constantes discursos de ódio disparados nas redes sociais como forma de catarse dos seus sentimentos. A mãe vê nessa atitude um gênio genuinamente mau, ao passo que o pai naturaliza suas ações como forma de fazer vista grossa para a rebeldia juvenil, talvez como estratégia para não lhe dar a audiência tanto almejada, mas que poderia conferir mais poder à jovem.
Outro aspecto do filme que merece atenção é o cenário claustrofóbico onde a história se passa. Charlie não está apenas preso na sua casa. Ele se vê aprisionado em seu corpo, utiliza a comida como forma de se suicidar lentamente. A comida e a literatura parecem ser os últimos prazeres que lhe restam, embora possa contar ainda com a amizade de Liz, que também é sua enfermeira. Ela sempre o alerta sobre a iminência da morte, clamando para que ele recorra a um hospital.
Além de Liz, Thomas é outra personagem que surge. A princípio, parece ter boas intenções, trazendo leituras bíblicas. Todavia, a “salvação” de Charlie, principalmente no tempo em que está invadido pelo luto e pela melancolia após perder o seu companheiro, está texto literário e na reconciliação que ele precisa encontrar diante das circunstâncias da vida.
Há muitas divergências em relação ao roteiro de A Baleia, que assim se intitula não só pela aparência do protagonista, vez que é recorrente essa designação pejorativa para pessoas com sobrepeso, mas também pela intertextualidade com o livro “Moby Dick”, de Herman Melville, que aqui ganha a simbologia do desejo mais profundo e autêntico. Charlie deseja redenção e se engaja em transmitir isso aos seus alunos. Pede que verbalizem, que usem a palavra para se (re)encontrarem e não apenas para escreverem um texto pragmático, técnico, como um ensaio.
Críticas à parte em relação ao roteiro, é consenso que a impressionante atuação de Brendan Fraser, que ressurge após ter passado anos no ostracismo, é digna de um Oscar. Refletir sobre como a sociedade enxerga a obesidade, a sexualidade e a sua intercessão ou interseção com as religiões, as configurações afetivas e familiares, é mais do que nobre motivo para assistir ao filme e recomendá-lo.