Um homem rico chamado Calvicius Sabinus tinha uma memória minúscula, que o deixava com saia justa em diversas ocasiões. Resolveu, então, gastar uma fortuna usando escravos culturais para preencher seu vazio intelectual, mesmo sabendo que nunca conseguiria absorver nada estudado pelos comprados.
Suas vagas lembranças eram tão ruins que, em alguns momentos, os nomes de seus amigos, Ulisses, Aquiles e Príamo, sumiam rapidamente sem deixar vestígios. Os escravos seriam sua memória para cada tema que lhe fosse interessante conhecer e conversar com os intelectuais de sua época.
Nada o impediu de querer parecer um homem culto. Por isso, não mediu gastos na aquisição dos escravos. Um deles seria para conhecer a fundo Homero. Outro para poder conversar com Hesíodo. E, assim, atribuiu a cada escravo a tarefa de conhecer muito bem os nove poetas líricos. O custo da empreitada foi tão alto que daria para comprar uma biblioteca com diversas estantes, com a possibilidade de preencher qualquer criatura com conhecimentos atraentes.
Seria muito interessante se pudéssemos deixar outras pessoas carregarem nossas partes mais íntimas, aquelas que nos tornam nobres. Mas estaríamos desvalorizando quem sempre consagramos com talentos especiais, aqueles que carregam somente consigo habilidades extras de valor social, e não em malas a tiracolo para preencher suas falhas.
Transgredir nossa natureza é tão melancólico quanto querer viver eternamente. Assim como a velhice é a principal fase da sabedoria, nossas limitações, a cada tempo, nos servem de marca registrada, e não de acúmulo de perdas, porque formam o conjunto de resultados da construção pregressa.
Reinventar-se ou reconstruir-se não são sinônimos de atos que devemos incluir escravos intelectuais para suprir nosso ego.
Entre 1626 e 1628, um potente navio de guerra foi construído pelo governo Sueco. Como o Sr. Calvicius, o rei sueco gastou uma fortuna para fazer navegar o navio Vasa, uma obra inovadora. Porém, com a parte superior muito pesada — pois continha setenta e dois canhões com 24 libras cada um — e, além disso, como não tinha lastro suficiente, a embarcação, com a falta de estabilidade, naufragou poucos minutos após zarpar do porto.
O naufrágio, seja pela vida inventada ou desestruturada, em seu projeto inicial, é inevitável.
Assim como a engenharia, a natureza humana tem suas particularidades e formas adequadas de funcionar. Basta que façamos um pouco de mea-culpa e que exercitemos a empatia. Caso contrário, nos tornamos vítimas de nosso capricho, ao tentar construir uma verdade fatal à realidade.