Aquele pobre homem de Póvoa de Varzim (distrito do Porto) e que se tornou um dos maiores escritores portugueses e universais de todos os tempos só agora, agosto de 2023, chega ao Panteão Nacional de Portugal, instituição que “acolhe e homenageia as pessoas mais importantes da história” daquele país. Nada mais justo. Afinal, ao lado de Camões e de Fernando Pessoa, o velho Eça está entre os deuses do Olimpo da língua portuguesa e não há dúvida quanto a isto. Ponto.
O lado curioso, para não dizer intrigante, do acontecimento é que ele chega bastante atrasado ao referido monumento à glória nacional lusitana. Esclarecimento necessário: o Panteão existe desde 1836 e o escritor, já glorioso, morreu em 1900. Demoraram, portanto, 123 anos para reconhecer a importância do autor de A Ilustre Casa de Ramires e foram rápidos em fazê-lo relativamente à cantora de fados Amália Rodrigues e ao jogador de futebol Euzébio, ambos devidamente instalados no Panteão pouco tempo após o falecimento. Haverá explicação para isso?
Evidente que Amália e Euzébio são patrimônios de Portugal e credores de toda admiração. Ela como a mais célebre fadista; ele como o Pelé do país que anos depois daria um Cristiano Ronaldo. Se os portugueses entendem que merecem ir para o Panteão Nacional, tudo bem, cada povo decide quais são os seus heróis. Mas por que essa demora em homenagear um português que, para a cultura e o bom nome do país, é muito mais relevante que a cantora e o jogador, mesmo considerando-se a diferença das áreas em que atuaram? Sinceramente, não compreendo, mesmo sabendo que a lógica lusa é outra.
Confesso que não sabia da existência do Panteão Nacional de Portugal. Para mim, que estive algumas vezes em Lisboa, cidade do meu coração, esse Panteão era o Mosteiro dos Jerônimos, grandioso monumento, onde estão sepultados os restos de Camões, Vasco da Gama e Fernando Pessoa. A monumentalidade histórica e arquitetônica do Mosteiro é tão superlativa que, em meu entender, vale mais que o Panteão, instalado, desde 1966, na Igreja de Santa Engrácia. Eça de Queiroz, portanto, deveria ir para lá (os Jerônimos), descansar ao lado dos maiores entre os maiores.
Não duvido de que essa demora na ida de Eça para o Panteão se deva às picuinhas do mundo cultural e político português, principalmente na área dos escribas. Alguém conhece raça mais desunida? A estas alturas, eu imagino que o autor de O Primo Basílio já deva ser uma unanimidade crítica, não só no seu país, mas no mundo todo de língua lusa e mais onde seus livros foram traduzidos. Pode haver quem goste e quem eventualmente não goste de sua literatura, mas poder-se-á negar seu valor literário? Entretanto, sabemos, a tribo das letras não costuma se entender facilmente. Lembremos, a este propósito, o quanto Saramago, antes e depois do Nobel, foi hostilizado por parte de seus colegas portugueses, a ponto de mudar-se para a ilha de Lazarote, no arquipélago das Canárias, dando uma banana para seus conterrâneos obtusos. Falar nele, o único escritor de língua lusitana a ganhar o grande prêmio até agora não deveria já estar no Panteão? Quem puder, responda.
Interior do Panteão Nacional Português
Numa de minhas idas a Brasília, tive a curiosidade de conhecer o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, situado na Praça dos Três Poderes, em bonito prédio projetado por Oscar Niemeyer. É uma instituição importante e sobre ela faço algumas observações curiosas. Primeiro, o comprido e personalizado nome, quando bastaria apenas Panteão Nacional ou até mesmo só Panteão, como em Roma, já que o Nacional está implícito. Segundo, é que o prédio não foi construído pelo governo distrital ou federal, como seria de esperar, já que se trata de um monumento do Brasil, existente em boa parte dos demais países, mas por uma entidade privada, a Fundação Bradesco, que o ergueu e doou ao Distrito Federal. E terceiro, que, dentre os 54 nomes inscritos no Livro de Aço dos heróis e heroínas brasileiros, constam, até o momento, apenas dois escritores, Machado de Assis e Euclides da Cunha, em meio a dezenas de militares e políticos, coisa típica de republiqueta bananeira. Tudo isto certamente diz muito, muito mesmo, sobre nós, enquanto povo e nação. Enfim...Mas voltemos ao grande Eça de Queiroz, que só agora chega ao Panteão de Portugal. Antes tarde do que nunca, costuma-se dizer – e é isso mesmo. Quando Saramago chegará lá? E aqui, quando chegarão outros escritores, além de Machado e Euclides? Quem merecerá a honraria póstuma e quem decidirá sobre isso? Há, sem dúvida, matéria para muita especulação. Uma coisa, porém, é certa: se formos no ritmo lusitano, um Guimarães Rosa ou um Manuel Bandeira só chegará lá por volta do próximo século, otimistamente falando.
Eita, Brasilzão pequeno!