Talvez a expressão seja mais antiga. Lembro dela, porém, do fim da década de 1950 quando, ainda meninote, eu começava a atinar para os ...

Qual é o pó?

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Talvez a expressão seja mais antiga. Lembro dela, porém, do fim da década de 1950 quando, ainda meninote, eu começava a atinar para os ditos e ritos da rapaziada. “Qual é o pó?”, perguntavam-se aqueles jovens à guisa de saudação, mas em busca, também, das novidades. Tudo beleza? Eis o que pode servir, modernamente, à tradução do modo como os mais novos se cumprimentavam nos tempos da brilhantina.

Sem dúvida, o “qual é o pó?” de antigamente não pegaria bem nos dias de hoje. Uma pergunta dessas poria, agora mesmo, de orelha em pé os atuais avós,
ou pais. E, não menos, o delegado de polícia.

Fui à Internet, pesquisei e não encontrei informações definitivas sobre o surgimento do velho e esquecido termo. Conta-se que talvez decorra da sigla “P.O.” aplicada a “Puro de Origem”, algo um tanto comum nos registros dos criadores de zebus. Mas é coisa de cujo acerto não dou garantia. Alguém me ajuda?

Estou certo, todavia, de que isso foi muito além de um regionalismo. Teve, de fato, amplitude nacional. Duas marchinhas carnavalescas, ao menos isso, ambas interpretadas por Emilinha Borba, dão-me inteira razão. A mais antiga recebeu essa expressão no título, letra por letra.

No Carnaval de 1961, os foliões foram aos bailes de salão, desde o Copacabana Palace até o Pilar Recreativo Esporte Clube, com esses versos na mente e na boca: “Moço, qual é o pó? Eu nunca vi homem de renda e de filó”.


Eram tempos das letrinhas estúpidas, debochadas, encomendadas pelas gravadoras à cata mais desbragada do vil metal, às vésperas da folia. Neste Terceiro Milênio, isso renderia processos judiciais por homofobia justos, merecidos e necessários.

E me ocorre que de lá para cá nem tudo piorou abaixo da Linha do Equador. Em alguns aspectos, melhoramos muito, por mais que disso duvidem, no Congresso Nacional, deputados e senadores de certas e sabidas alas.

Pois bem, a mesma Emilinha retornaria, dois carnavais depois, com pó novo no repertório: o de mico. Os versos, dessa vez, eram estes:

“Vem cá, seu guarda bota para fora esse moço que está no salão dançando com pó de mico no bolso”.

Para os que disso, porventura, não saibam, o tal pó é troço advindo da raspagem de pelos urticantes de vargens do gênero mucunã, mucuna puriens, no modo de falar do pessoal que integra o bloco da Biologia. Maldosamente usada contra vítimas desprevenidas, a coisa provocava uma coceira dos diabos e, assim, arruinava qualquer baile. Aliás, também reside, aí, outra explicação para o “qual é o pó?” dos anos de 1950/60. Não sei com qual delas ficar.

Outro cumprimento expresso naquele tempo em todos os lugares e com todos os sotaques deste Brasil continental – o “Tudo azul?” – tem, para mim, origem de melhor modo explicada. Ganhou, inclusive, verbete no dicionário do velho Aurélio. “Tudo azul?” remete à condição de lucro nos livros de registro contábil das empresas. É, nas mesmas circunstâncias, o contrário de vermelho. No dito popular, a resposta, tal e qual, significaria tudo bem, tudo em paz, tudo tranquilo. Ou, como querem os meninos de hoje, tudo beleza.

A origem das expressões e sua utilização ao longo do tempo é assunto que sempre me fascinou. Foi lendo uma coisa aqui, outra ali, que atinei para um bom número de significados.

Dias atrás, desci do carro na Avenida General Osório, Centro de João Pessoa, a fim de fotografar o rapa-pé do Mosteiro de São Bento. Falo das lâminas metálicas instaladas, antigamente, à entrada de templos, prédios públicos e mansões para que se livrassem do barro no sapato, antes de ali entrarem, aqueles sem dinheiro para a posse de cavalos, ou cabriolés. É que me havia ocorrido a expressão “pé rapado” aplicada aos mais pobres. Voltei ao carro sem a fotografia pretendida porque alguém, estupidamente, mandou tirar aquilo da calçada.

Certifico-me, maravilhado, que o “vá tomar banho” remonta aos idos da colonização quando os índios, mais limpos e higiênicos, já não aguentavam o mau cheiro dos portugueses. Antes de ser um insulto era uma sugestão.

“A dar com o pau”, ao que fui informado, advém do tráfico de escravos. Muitos, nos navios negreiros, preferiam a morte à escravidão. Fechavam, assim, a boca e eram alimentados à força com colheres de pau, goela a dentro.

“Para inglês ver” é termo relacionado à lei com o valor de um risco na água, pois enganosamente cumprida. Advém da exigência britânica ao fim da escravidão, menos por razões humanitárias e mais por questão econômica numa Inglaterra que já se industrializava. Mas essa é outra história.

“Lavar a égua”, sinônimo de se dar bem, tem origem, ao que li, nos idos, ainda, da escravidão, quando pequenas pepitas, ou pó de ouro, eram escondidos nas crinas e caudas desses animais. A lavagem posterior, às escondidas, seria de muito bom proveito para os que não eram donos das minas.

Quem roda a baiana pode ser barraqueira, ou seja, montar barraca para os acarajés de Salvador. Virou, com o tempo, sinônimo de encrenqueira. Mas, tanto quanto isso, também pode compor aquela ala famosa das escolas de samba.

O moço bonito, o gato de hoje, já foi pão. A gata era broto naquelas velhas tardes de domingo. Não acreditam? Perguntem, então, a Roberto.


E tem sido assim por todo o mundo. Cada geração com seus modos e seus ditos. No tempo das carroças e dos cavalos, a determinação “pode tirar o cavalinho da chuva” reforçava o convite à permanência. O animal iria para lugar coberto porque a conversa com os donos da casa seria demorada, ao contrário do que pensasse o visitante apressado. O termo é hoje a expressão do contraditório: esqueça, de jeito nenhum.

O “Maria vai com as outras” adveio do tempo de D. Maria I, a Rainha Louca. E de seus passeios a pé sob escolta de numerosas damas de companhia. “Comer com os olhos” era o que restava aos comensais dos banquetes oferecidos aos deuses, na Roma Antiga. A ninguém era permitido, nessas ocasiões, tocar na comida.

Originalmente, não se faziam ouvidos de mercador e, sim, de marcador, o camarada que ferrava escravos a ferro quente insensível aos gritos dos desgraçados. “Queimar as pestanas” advém, assim também me contaram, dos tempos anteriores ao aparecimento da lâmpada elétrica quando a leitura noturna requeria a vela próxima dos olhos.

“Jurar de pés juntos”. Deus nos livre. Isso vem dos pés atados pela Santa Inquisição. Vem do óleo quente no lombo de seres humanos e gatos de bruxos assim também pingados. “Está a pensar na morte da bezerra?”. Então, você está como o filho menor de Absalão, o hebreu que à falta de carneiros sacrificou para Deus a bezerrinha do garoto. Este último, a partir de então, postava-se triste e pesaroso ao lado do altar das oferendas.

Coitada de Joana, a Rainha de Nápoles, a condessa de Provença, aquela que libertou os prostíbulos de Avignon. Cada bordel daqueles, depois disso, passou a ser tomado como Casa da Mãe Joana. Conta-se ainda que, originalmente, não se enviava o pé na jaca, mas no jacá, o cesto posto à saída das antigas bodegas de Minas Gerais para a exposição de mercadorias e o tropeço dos bêbados. E, então, beleza?

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  1. Anônimo1/9/23 01:42

    👏👏👏👏👏👏❤️❤️❤️❤️🌺✂️🪡🧵

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