Não tanto por sua amplidão, mas sobretudo pela diversidade das temáticas e densidade impressa em trabalhos muitas vezes intrigantes ou incompreensíveis, estudar a obra de Alberto Lacet não é uma tarefa fácil. Ainda mais na instância em que Topos e Ethos parecem trilhar caminhos inseparáveis, e a compreensão demanda a criação/incorporação de novos conceitos e/ou tomada de novas perspectivas da parte de quem observa sua obra.
Segundo Simon Schama, um dos grandes poderes da Arte reside justamente em sua capacidade de surpreender, e uma das chaves para a compreensão desse fenômeno se deve às diferentes percepções que se dão em sentido espacial e temporal, tanto entre artistas quanto em artista e público. Pois, como a atitude estética, de que falou Kant, é uma atitude cognitiva de recepção, guiada pelo princípio de satisfação, o juízo estético, subordinado a essas formas puras da sensibilidade, (espaço e tempo) segue um padrão absoluto, pelo observador que captura o transcendental através das incomensuráveis proporções da natureza que extrapolam a dimensão humana.
Assim, na formatação do objeto de Arte, o dado espacial identifica quais estímulos visuais foram transmissores da plenitude que, por sua beleza, motivou a satisfação do artista em seu olhar para o mundo. E aqui, miramos justamente neste sentido, em que a perspectiva de um montanhês em muito difere da do povo da planície, pelo diferencial básico residente nos ângulos e enfoques da perspectiva. Fatores, a nosso ver, determinantes para uma observação mais certeira da obra de Alberto Lacet.
Sendo ele um natural da Serra do Teixeira, mantém na visão a preponderância do sentido vertical, fazendo o observador se ver frequentemente confrontado com os diferentes níveis que lhe são oferecidos para observação dos objetos representados. Obras em plongée (de cima para baixo, como nas figs. 2 e 4, por ex) e contra-plongée (Figs. 1 e 7, por ex.) perfazem 40% de todo o material artístico presente neste livro. Já as Figs. 79 e 53, por ex, são exemplos desses dois enfoques, aparentemente contrários, convivendo em uma só obra. Não pode ser por acaso que essa angulação forçada seja já perceptível na obra mais antiga do presente livro, que é datada de 1979! (Fig.51).
Esta perspectiva vai conformar a percepção do montanhês e como ele absorve a experiência mundana. Segundo o sociólogo Georg Simmel, esta condição topográfica determina a ‘Forma’ como ele consegue introjectar noções estéticas emanantes do seu mundo natural. Foi justamente baseado na estética que Simmel fundamentou a sua teoria da forma, num conceito a priori ordenador de situações e particularidades observáveis.
Desta maneira formam-se traços comuns entre montanheses, como a combinação singular de conservadorismo e gosto pela liberdade, da rudeza de comportamentos quando estão entre eles, a ligação apaixonada com o solo, que ajuda a criar entre eles uma ligação de força extraordinária. E a intensidade dessa ligação traz características que se exprimem, ao mesmo tempo que criam relações estabelecedoras de fronteiras. Nessas fronteiras residem os traços do estranhamento do ‘outro’. Para a obra de Lacet, o palpite é que nasce daí a sua formação estética e singularidade, bem como o sentido de estranhamento que a sua Arte, junto com uma inerente beleza, produz.
Mesmo nos casos em que uma determinada figura está de frente, como na Fig. 73, em que uma menina se mantém com um olhar perscrutador, interrogativo, temos alguém que se coloca na fronteira, do outro lado.
A Fronteira, ou limes é uma manifestação psico-social decorrente da sensibilidade tempo\espacial. Entre os aldeões montanheses há uma percepção profunda, intuitiva, da ação cultural histórica sobre uma genealogia própria que a difere de outras, e que tanto pode levar a avanços sociais compartilhados extrafronteiras, como o caso dos famosos cantadores de viola, originários da Serra de Teixeira, cuja pratica fundadora viria a se transformar numa das grandes tradições culturais do Nordeste brasileiro, quanto para uma coagulação de preconceitos formadores de conflitos, a exemplo do que foi gerado com a chamada “guerra de ‘30” na Paraíba, cujo maior palco de lutas deu-se exatamente nessa mesma região.
No trabalho de Lacet, porém, o sentido poético da cor através de transparências e linhas de intersecção, pretende a tudo relativizar, interiorizar, sintetizar e trazer refinamento para o Logus da linguagem.