Em meados de 1991, recebi um telefonema da Associação dos Plantadores de Cana da Paraíba (ASPLAN). Identificou-se um senhor, creio que era o Diretor da Área Administrativa dessa entidade. Disse-me que por intermédio de um amigo de infância, Moacyr Tavares Rolim (Primero Diretor Presidente da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte – CAERN), eu havia sido indicado para elaborar um projeto para o tratamento dos despejos líquidos industriais da Usina São João, em Santa Rita. O proprietário, Dr. Odilon Ribeiro Coutinho, estava muito preocupado com essa situação. E ainda enfatizou que era um serviço de urgência. A referida usina havia recebido uma enorme multa por parte da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema/PB) e dentro de pouco tempo, a indústria seria interditada.
Contestei que um projeto de uma estação de tratamento de esgotos (ETE) a nível industrial, antes de ser iniciado, requereria um período mais longo de tempo para que dados suficientes pudessem ser analisados e coletados. Precisaria conhecer de antemão a lista das substâncias existentes nos despejos, matérias primas, quantidade de água utilizada no processo, valores da vazão dos efluentes industriais, determinação das características físicas, químicas e biológicas do esgoto bruto etc, etc. Somente após esse estudo, poderia ser dado início a elaboração do Projeto. Inicialmente, teria que conversar com o engenheiro responsável pela gerência da usina e me inteirar sobre todas as atividades da empresa.
Como sou movido a desafios, aceitei a tarefa. Na realidade, já tinha muita experiência na elaboração de projetos nessa área há bastante tempo. Alguns anos antes, também já havia recebido o diploma de Master of Science (M.Sc.) em Controle da Poluição Ambiental na Inglaterra, em 1979.
Pedi autorização para que o engenheiro da usina ficasse à minha disposição para poder realizar o trabalho e obter as informações necessárias rapidamente.
O problema principal era eliminar a poluição originada das águas de lavagem de cana da usina. O engenheiro me explicou que já havia atenuado essa contaminação com a construção de uma esteira projetada por ele, chamada de cush cush. Essa esteira trepidava durante o movimento fazendo com que grande parte da areia e outros detritos envolvidos nessas gramíneas, fossem jogados fora automaticamente, diminuindo a poluição das águas durante a lavagem desse material.
Mesmo com essa tecnologia preliminar, os estudos laboratoriais efetuados anteriormente mostravam que o valor da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) dos despejos brutos da água de lavagem de cana era da ordem de 600 mg/L, com vazão de 14,4 milhões de litros por dia. Porém, a resolução CONAMA 357 (Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes), preconiza que a DBO do efluente final, nesse caso, deveria ser, no máximo, 30 mg/L. Um mil novecentos por cento a mais do que o valor mínimo exigido pelo Conama.
A DBO é a quantidade de oxigênio usada na oxidação bioquímica da matéria orgânica sob determinadas condições de tempo e temperatura. Representa a quantidade de oxigênio requerida para a estabilização da matéria orgânica por meio de processo biológico. É o principal teste usado para a avaliação da natureza do esgoto doméstico ou industrial.
Depois de entender o problema, defini o projeto mais adequado para sanar essa poluição. A ETE seria composta por um sistema de duas lagoas de estabilização em série, uma facultativa e outra de maturação. A área da primeira lagoa seria enorme e a segunda bem pequena. Como havia muita área disponível no terreno da usina, esta já seria uma grande vantagem. A outra, é que o projeto proposto seria um sistema natural e os futuros gastos com operação e manutenção seriam desprezíveis, por a mesma não contar com nenhum equipamento eletromecânico.
Antes de iniciar o projeto, resolvi apresentar minha proposta a Dr. Odilon. Depois que entendeu minha sugestão, contestou imediatamente, concluindo que seria uma solução muito custosa e não valeria a pena.
Em frente ao local onde estávamos conversando havia um grande lago de água doce muito bonito. Disse-me de imediato: tenho que resolver esse problema. Faça o seguinte: utilize esse lago no lugar da grande lagoa e para a construção da segunda, que é muito pequena, arcarei com os gastos. Não importa que eu perca esse lago tão lindo.
Iniciei o projeto imediatamente, embora a contragosto, porque as lagoas devem ser retangulares para evitar zonas mortas durante o fluxo do despejo e a forma do lago era bastante irregular. Pedi ao engenheiro que contratasse um topógrafo para nivelar essas áreas, de modo que eu pudesse concluir o projeto o mais rápido possível.
Após o projeto concluído, antes de ser enviado à Sudema, Dr. Odilon contratou um amigo que vivia em Minas Gerais, funcionário aposentado da OEA, para analisar meu trabalho. Era um senhor já idoso, muito simpático e educado, porém tampouco entendia do tema. Começou a conversar e disse-me que Dr. Odilon o havia contratado há muitos anos para realizar o levantamento topográfico da área da Usina São João. Aprovada essa decisão, combinou com Dr. Odilon para recebê-lo no aeroporto de Recife após sua chegada de Minas Gerais. Depois o traria de carro a João Pessoa. No primeiro contato no aeroporto, Dr. Odilon se desculpou e disse-lhe: infelizmente vou ter que ir a Lima, Peru, juntamente com meu amigo Gilberto Freire, para participar de um Seminário Internacional sobre Literatura com duração de 10 dias. Não se preocupe, você irá comigo. Vou providenciar sua passagem agora mesmo. Na volta iremos a João Pessoa para que possa dar início a seu trabalho. O consultor da OEA passou duas semanas em Lima, fazendo turismo, enquanto aguardava o término do seminário internacional.
Finalmente, meu projeto foi aprovado pela Sudema. O valor bruto da DBO do efluente final antes do projeto da ETE era igual a 600mgL. A primeira análise físico-química efetuada por esse órgão governamental, após o término da obra, forneceu para o valor do efluente tratado, DBO igual a 2,8 mg/L. A exigência do Conama, nesse caso, era de 30 mg/L.
Nunca pensei que um projeto elaborado fora das normas de engenharia já consagradas, pudesse funcionar tão bem. Esse foi um exemplo que sempre mostrei a meus alunos. Um projeto dimensionado com defeitos de forma importantes, projetado de acordo com as circunstâncias, mesmo assim, apresentando um desempenho com tanta eficiência.