Retomo o livro de Sales Gaudêncio, em sua 2ª edição, “Joaquim da Silva: um empresário ilustrado do império”. No prefácio, o professor Joaquim Falcão, da Academia Brasileira, endossa de antemão a ressalva do autor de que “não pretende fazer a biografia de um ‘tipo representativo’ e sim, fazer uma ‘biografia contextual’ (...) atenta às especificidades individuais, sem deixar de valorizar a época, o meio e a ambiência”.
Como não sou cursado, concluída a releitura, me indaguei: quem mais representativo de Areia do que esse latinista, empreendedor cultural, inovador empresarial, com nome e tradição que deu representatividade a toda uma família? A uma família ou mesmo a toda uma região com vinte léguas de comprimento e dez de largura?
Menino de 10 ou 11 anos, estudando na escola particular do professor Clodomiro Leal, em Alagoa Nova, jactava-se ele de ter estudado o vernáculo que o latim de Joaquim Silva autorizava.
Quem é esse? – perguntou um mais atrevido. E ouvimos uma aula que foi nos empolgando a ponto de esquecermos a cadeira especial em que, paraplégico, o velho Clodomiro se sentava. Exaltado, fora de si pareceu-nos elevar-se muito acima da sua condição física.
Era mais uma gameleira que elevava Areia acima do nosso mirante mais alto, um majestoso pirauá plantado à porta do cemitério de nossa modesta cidade. Modesta diante das alturas de Areia, desde o Império com Pedro Américo, com Joaquim da Silva, liderando a política e a Igreja da Paraíba durante décadas da República.
O que o livro de Sales mostra sobejamente, indo às fontes ou em sua riqueza documental, teria de resultar na grandeza do meio onde seu herói atuou. Uma grandeza que comecei a me acostumar, não pelo que vi depois nos livros, mas no que ouvia, menino, nas fornadas da nossa casa de farinha do lado de cá do Riachão, hoje seco.
Sem ter companhias da mesma idade, vivendo e brincando só, o caboclinho que fui teve na casa de farinha, pegada com a casa de morada, o seu primeiro espetáculo. Quando o assunto era de fora reinava Areia, com as suas festas ou feiras bem mais ricas de novidades e de coronéis importantes que Alagoa Nova. Evidente que Joaquim da Silva ficava muito distante no tempo e mais ainda da classe social dos descalços fazedores de farinha.
A farinha, seja no novo livro de Sales Gaudêncio ou nos relatos digamos clássicos da história econômica, se muito, merece alguma referência. Não entra na pauta de exportações, perde-se na subsistência dos mais pobres ou, como farinha do barco para matar a fome dos flagelados da seca. Mais antigamente, dos que não tinham fuba nem macarrão baratos como alimento.
Mesmo assim, foi plantando mandioca manipeba e fazendo farinha que Manuel Avelino, meu pai, terminou senhor de engenho. Engenho de rapadura, ele mesmo virando o motor e emalando o produto nos garajaus que o Cariri e o Sertão vinham pela estrada de Pocinhos apanhar. A casa de farinha moía e torrava o produto do dono da terra e dos seus moradores. O morador, em meio à cana e a outros cultivos do patrão, tinha direito ao roçado em torno do casebre. Mas hoje o mundo é outro, não sei se melhor para todos como devia sonhar o empresário e latinista Joaquim da Silva.