Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a chorar a diminuição do temporal que se abatera sobre a cidade. Comeram um pão dividido entre todos, canecas de alumínio de café frio. As crianças sujas, chorando de fome, não se satisfizeram com o desjejum.
Não tive coragem de me aproximar, mas o dono da pequena loja protegida pela aba da marquise me contou que os deixara ali porque os outros comerciantes os rejeitaram. Muitos protestavam pela falta de higiene, pelas mãos estendidas a pedirem um adjutório a fim de comprarem comida.
O dono de um restaurante de beco os servia o almoço (restos de refeições deixadas pelos fregueses). Fui apenas observador do quadro da miséria real. Eram pessoas humanas, cujas feições externas e internas revelavam uma tristeza, um sinal causticante de escanteados da sociedade, num jogo desolador entre os que possuíam demais e eles que nada possuíam.
No estabelecimento comercial do proprietário que lhes prodigalizara o abrigo sob a marquise pendiam ofertas palpitantes; desde vestuários a bijuterias; um cartaz chamativo na vitrine: o Dia das Mães seria no próximo domingo. Durante o dia, os ocupantes da calçada apanhavam os trapos e saíam, a fim de deixar o campo livre para transeuntes e fregueses. Divagavam pelos recantos da cidade, almoçavam os sobejos, perambulavam entre a multidão indiferente.
“Domingo é o Dia das Mães” – comentou o pai. Ficou sem eco. A mulher (mãe dos dois pirralhos) perdera, quem sabe, a sensibilidade ou o sentido da data. Sabia que a patroa, quando trabalhava como doméstica, ganhava um mundo de presentes dos filhos ricos. Porém, passado algum tempo, fugira com o atual marido, hoje desempregado; recebera alguns presentes dos filhos, enquanto ele podia. Coisas minúsculas.
Mas, com o desemprego, na atual vida que carregavam como fardo, pouco significava a data dedicada às mães. No segundo domingo de maio, o comércio fechado, dormiram até mais tarde. Ao acordar, deu por falta do marido. Levantou-se rápida, acordou as crianças. (Soube eu, pelo dono da loja, que ele estava preso. Um ladrão: furtara pequena bijuteria. Uma pulseira ordinária para que os filhos dessem à mulher no Dia das Mães). Triste relato para uma festa tão bonita. Ela invocou a Mãe dos Pobres com o braço magro e sem enfeite. Não era o que queria relatar.