Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a...

História de mãe pobre

maternidade desigualdade
Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a chorar a diminuição do temporal que se abatera sobre a cidade. Comeram um pão dividido entre todos, canecas de alumínio de café frio. As crianças sujas, chorando de fome, não se satisfizeram com o desjejum.

Não tive coragem de me aproximar, mas o dono da pequena loja protegida pela aba da marquise me contou que os deixara ali porque os outros comerciantes os rejeitaram. Muitos protestavam pela falta de higiene,
maternidade desigualdade
Kollwitz, 1903
pelas mãos estendidas a pedirem um adjutório a fim de comprarem comida.

O dono de um restaurante de beco os servia o almoço (restos de refeições deixadas pelos fregueses). Fui apenas observador do quadro da miséria real. Eram pessoas humanas, cujas feições externas e internas revelavam uma tristeza, um sinal causticante de escanteados da sociedade, num jogo desolador entre os que possuíam demais e eles que nada possuíam.

No estabelecimento comercial do proprietário que lhes prodigalizara o abrigo sob a marquise pendiam ofertas palpitantes; desde vestuários a bijuterias; um cartaz chamativo na vitrine: o Dia das Mães seria no próximo domingo. Durante o dia, os ocupantes da calçada apanhavam os trapos e saíam, a fim de deixar o campo livre para transeuntes e fregueses. Divagavam pelos recantos da cidade, almoçavam os sobejos, perambulavam entre a multidão indiferente.

“Domingo é o Dia das Mães” – comentou o pai. Ficou sem eco. A mulher (mãe dos dois pirralhos) perdera, quem sabe, a sensibilidade ou o sentido da data. Sabia que a patroa, quando trabalhava como doméstica, ganhava um mundo de presentes dos filhos ricos. Porém, passado algum tempo, fugira com o atual marido, hoje desempregado; recebera alguns presentes dos filhos, enquanto ele podia. Coisas minúsculas.

Mas, com o desemprego, na atual vida que carregavam como fardo, pouco significava a data dedicada às mães. No segundo domingo de maio, o comércio fechado, dormiram até mais tarde. Ao acordar, deu por falta do marido. Levantou-se rápida, acordou as crianças. (Soube eu, pelo dono da loja, que ele estava preso. Um ladrão: furtara pequena bijuteria. Uma pulseira ordinária para que os filhos dessem à mulher no Dia das Mães). Triste relato para uma festa tão bonita. Ela invocou a Mãe dos Pobres com o braço magro e sem enfeite. Não era o que queria relatar.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Hoje é possível ver multidões dormindo ao relento em cidades como Lós Angeles, EUA., por ex. Elas se enfileiram por calçadas com km de extensão. Se isto ocorre nos States imagina no Brasil. Só que aqui é mais difícil porque o extermínio de pobres e negros está na mira tanto de parte da elite quanto de militares, de forma que os pobres buscam lugares recônditos como viadutos, pontes, becos de difícil acesso, etc. se ficam pelas calçadas onde moram os brancos, já viu

    ResponderExcluir
  2. Hoje é possível ver multidões dormindo ao relento em cidades como Lós Angeles, EUA., por ex. Elas se enfileiram por calçadas com km de extensão. Se isto ocorre nos States imagina no Brasil. Só que aqui é mais difícil porque o extermínio de pobres e negros está na mira tanto de parte da elite quanto de militares, de forma que os pobres buscam lugares recônditos como viadutos, pontes, becos de difícil acesso, etc. se ficam pelas calçadas onde moram os brancos, já viu

    ResponderExcluir
  3. é consequência de sociedades geridas pelo sistema financeiro que desindustrializa e desemprega

    ResponderExcluir

leia também