Parei de contar os anos. Percebi isso em duas situações: a primeira quando disse minha idade errada para um colega. Noutra, quando meu pai errou minha idade e ele mesmo fez a retificação. Nem eu havia notado. Mas, por que em ambas as situações houve uma redução algorítmica? Talvez um anseio por querer parar o tempo ou regressar?
Parei de olhar o tempo. Cansei de contar as horas, os dias, os meses... cada segundo que se passa, para que não mais me angustie pelo passado e possa assim vislumbrar o presente-futuro. Que me importa se ainda há (im)pulsão em mim, se o pulso ainda pulsa, se o impulso por mais e melhor é algo que me dota de esperança e angústia?
A ampulheta está virada no cotidiano. O banal se assemelha ao relevante, mascarando-se fora de época. A criança ronca. O adolescente grita. O adulto treme. O idoso se atordoa. Quero quebrar o tempo, por ser um temporal de expectativas tamanhas que redemoinham em todo meu corpo. Transitar entre labirintos não é esporte que se deseje.
De encanto para todo canto, de todo canto para qualquer espanto, me privo de posição para não resgatar histórias que me condensam sob uma casca morta. Quero privacidade, quero vivacidade e viver a cidade sob um olhar inaugural, como se reestreasse tal qual minirréveillons. Manter versos acesos é tão custoso quanto conservar barcos paralisados numa tempestade. É mesmo feito de artista.
Agora vejo que desde menino queria parar o tempo, mesmo com as mãos. A Mafalda movia, eu queria parar. Parar por um momento a desordem do mundo, ainda que fosse só meu, aparentemente, porque sei que afeto o entorno com e sem malícia. Mas não quero me deserdar, apesar de desertar a cronologia que se sucede em mim. Deixem-me enganar conscientemente. Estou lutando como sei que estão, para não sucumbir em vida.
Crepúsculos, auroras, crisálidas, borboletas e caracóis. A partir daí, fotografar a natureza para que ela me releve que a poesia ainda me levará a um tempo sem tempo de contar a vida em minutos. Que a vida seja revistada em minudências.
Vou suplantar o tempo
Na sua própria esfera
Para que tonto caia
No esquecimento de si
Como cobra-cega
Em mão-dupla.
Quem correr
Ao menos se distraia
Com a velocidade.