Em algumas regiões da China, até o início do século XX, pés pequenos e com formato de lótus eram considerados um padrão de beleza feminina. As mulheres tinham seus pés firmemente atados para impedi-los de crescer, resultando em deformidades e dificuldades de locomoção. Na Etiópia, as mulheres da tribo Mursi usam discos para alargar os lábios. Entre os maoris, o povo nativo originário da Nova Zelândia, quanto maior for a posição social de um homem dentro do seu clã, mais tatuado é seu corpo.
Em sua obra “Os produtos de beleza para o rosto da mulher”, o poeta Ovídio já dava dicas de poções que, segundo ele, favoreceriam a aparência das mulheres. Apresentar-se bem é uma ambição universal e, também, antiga e corresponde ao desejo humano mais básico: ser gostado. Portanto, trata-se de uma aspiração legítima. Contudo, dependendo da dose, os melhores e mais salutares remédios se tornam veneno.
A ênfase radical em relação à aparência física e à busca de uma beleza idealizada é um dos traços mais marcantes da sociedade contemporânea. Se perseguir o sucesso nas relações sociais determinou o êxito do Facebook e das redes digitais em geral, a expectativa de corresponder a uma aparência desejável estabeleceu a emergência da cosmetologia como uma técnica considerada como imprescindível à vida social atual. Na corrida por se adequar ao que é socialmente desejável em termos ornamentais, o nonsense é o critério.
Através da história, muitas excentricidades foram consideradas como expressões de formosura.
Durante o Renascimento, na Europa, corpos voluptuosos e cheios eram considerados ideais de beleza. Era um contraste com a magreza, interpretada como privação de comida. Na época, os famélicos eram simplesmente esqueléticos. Mutatis mutandis, hoje os mais pobres têm a chance de ser, simultaneamente, desnutridos e obesos, por conta da má qualidade dos alimentos que ingerem.
Dos séculos XVI ao XVIII, a palidez extrema da pele era um sinal de status e de beleza, tanto na Europa quanto em suas extensões nas Américas e em outras colônias. Talvez porque o trabalhador tivesse a pele queimada pelo sol, o que denunciava a sua classe social. Quem pertencia à fidalguia ou queria a ela agradar, usava maquiagem branca para realçar a sua palidez. Também estavam na moda as perucas altas e empoadas. Eram adotadas por praticamente toda a aristocracia. Embora apreciadas na época, hoje só fazem sentido em filmes de terror.
Durante o século XIX, a moda ainda ditava um requinte de perversidade às mulheres: as cinturas extremamente finas eram consideradas atraentes. Espartilhos apertados eram utilizados para alcançar essa aparência, às vezes resultando em graves danos à saúde.
Em termos de deformações e extravagâncias, os dias atuais não ficam a dever a nenhuma outra época. Personalidades se passam em suas providências cosméticas, produzindo, em si mesmos, o oposto daquilo que pretendiam, como é o caso dos irmãos franceses Igor e Grichka Bogdanoff, recordistas em cirurgias plásticas. Por mais condescendes que sejam seus fãs, ou o espelho mais embaçado, é difícil sustentar que os procedimentos aos quais eles se submeteram reiteradamente resultaram em algo agradável aos olhos.
Embora as celebridades ditem o modelo a ser reproduzido, elas mesmas acabam sendo as primeiras vítimas da indústria da aparência. Hoje, a mídia desempenha um papel decisivo na promoção de padrões de beleza ideais. Personalidades midiáticas muitas vezes são tidas como referências de beleza, levando muitas pessoas a buscar características e padrões estéticos semelhantes ao delas, por mais bizarro que sejam, em alguns casos.
Excessos e loucuras são praticados em nome da obtenção de um resultado, muitas vezes, discutível.
Os padrões de beleza promovidos pela mídia muitas vezes são irreais e inatingíveis. As imagens retocadas digitalmente e os filtros de mídias sociais podem criar uma percepção distorcida do que é considerado bonito, levando à pressão para se conformar a esses padrões.
A tentativa de se igualar ao que é imposto resulta, por vezes, fisiologicamente impossível. A modelo sueca Pixee Fox realizou diversas cirurgias, chegando a retirar seis costelas, para ficar com a cintura medindo apenas 35,5 cm. A alemã Sophia Wollersheim, fez o mesmo, obtendo 46 cm de circunferência.
Apesar das doenças psicológicas associadas a compulsão por se adequar à plástica vigente, como o distúrbio de imagem, que produz o impulso de se automutilar, a indústria da beleza não se detém em sua ambição. O marketing dos seus produtos e serviços endossa a busca pela aparência física padronizada e ideal, acima de qualquer outra preocupação.
As mídias digitais abriram espaço para influenciadores de beleza, que frequentemente compartilham dicas de maquiagem, cuidados com a pele e procedimentos estéticos, exercendo uma enorme influência sobre o público e moldando as suas percepções de beleza.
A busca incessante pela beleza idealizada cria pressões sociais que afetam a autoestima e a autoimagem dos indivíduos, levando-os a preocupações com a aparência e a buscar por procedimentos estéticos. Talvez o efeito mais lamentável dessa procura não seja o que ocorre sobre o corpo, e sim sobre a alma.
“O Retrato de Dorian Gray”, do escritor inglês Oscar Wilde, narra a história de um jovem aristocrata que é retratado pelo talentoso pintor Basil Hallward. Ao ver o seu retrato, Dorian se encanta tanto, que expressa o desejo de permanecer jovem e bonito para sempre. Para obter o seu intento, faz um pacto com o mal: permaneceria sempre jovem, enquanto o quadro envelheceria em seu lugar, absorvendo os efeitos do tempo e das suas más atitudes.
Um amigo de Dorian, Lord Henry, influencia-o a buscar prazeres sem limites e a evitar qualquer coisa que possa preocupá-lo ou envelhecê-lo, fazendo sua vida se encaminhar pela decadência moral.
Para Wilde, a busca implacável pela beleza e pelo prazer, em detrimento de qualquer limite ou fleugma moral, produz danos, sobretudo, espirituais. Em seu livro, ele levanta questões sobre a vaidade, a corrupção do caráter e os perigos de se colocar a aparência acima de tudo, e critica a obsessão por parecer agradável às custas da integridade pessoal.
A história de Dorian Gray demonstra como a busca implacável pela beleza física e a rejeição de responsabilidades morais podem levar à decadência e à destruição da alma. Dorian, inicialmente belo e inocente, torna-se corrupto à medida que busca constantemente prazeres e evita confrontar as consequências de suas ações. A obsessão pela própria beleza e juventude conduz o jovem a uma vida de transigência moral, hedonismo radical e falta de empatia, prejudicando a todos que convivem com ele.
Dorian tenta evitar o envelhecimento e os efeitos de suas ações deletérias, transferindo esses efeitos para seu retrato. No entanto, isso não o isenta das consequências dos seus atos, pois o quadro registra a sua decadência moral.
A negação de quem ele realmente é leva Dorian a uma vida cada vez mais vazia, perversa e corrupta.
"O Retrato de Dorian Gray" é uma preciosa advertência acerca da obsessão pela beleza física, convidando-nos a uma reflexão sobre o equilíbrio entre a aparência e o caráter, e as implicações das escolhas de cada um na própria conduta e no significado da vida, numa época que não se lembra da necessidade de se harmonizar antes a alma do que a face.