Os dinheiros muitos, os luxos me são estranhos. Não saberia pisar sem receio tapetes excessivamente macios. Sou desajeitada. Tenho medo de quebrar taças de cristal. E de deixar cair migalhas às roupas.
Sou dos que se distraem com os pequenos favores do cotidiano. Respirar, por exemplo, é meu luxo particular. Pois tenho asma. Também me alegra achar morangos bem grandes e vermelhos na feira, ou descobrir árvores cheias de flores.
Tudo isso é tão pequeno, e tão bom. Faz com que os dias demorados se tornem curtos no meu universo de coisas simples.
Nas manhãs de verão eu me contento com bolo de laranja e chá preto na varanda, olhando os passarinhos ou o céu claro. Então leio livros – em geral muito velhos – com um cobertor sobre os pés, pois a felicidade é inimiga de pés gelados.
Quando vou à praia, a voz do mar me faz ficar bem quieta, como quando ouvia o meu pai. E essa lembrança me faz ter vontade de sorrir.
Construo o meu paraíso a cada dia. Ergo jardins dentro de mim, com cercas-vivas para me proteger do que habita lá fora.
É que de vez em quando, percebo uma inquietação. Algo que espreita nas sombras. Vem vestido de ingratidão, falsidades, feiuras de alma, maledicência e crueldade. Olho tudo isso sem medo. Até com certa piedade. Jamais com espanto. E me afasto sem me sentir obrigada a explicar coisa alguma. Esse é o sentido da minha liberdade.
Se percebo uma corrida de demônios nas estradas próximas a mim, imediatamente busco na memória cada ocasião em que mão amiga tocou o meu ombro para me confortar ou encorajar. Bom lembrar de gestos amorosos. Houve, entretanto, ocasiões em que me vi no fundo do poço imenso da alma, absolutamente sozinha (como em geral estou). Naqueles instantes, percebi que a luz capaz de romper o breu da dor, a mão que me sossega e o amigo mais sincero existem em mim. Docemente eu me repito: sou amada, mesmo que apenas por mim mesma. E esse contentamento é o único em minha vida que não é pequeno. Grandioso, pois construção longa, é meu pilar e segurança.
Tudo o mais é impermanente.