É a primeira vez que escrevo para o Ambiente de Leitura Carlos Romero. Para me sentir “em casa”, gostaria de começar a minha colaboração com este espaço recuperando a vida e a trajetória profissional do jornalista e escritor Adalberto de Araújo Barreto. Sou um parente distante de Adalberto: ele era tio do meu avô materno, Idevaldo Veras Barreto, mas tinham quase a mesma idade. Na verdade, Adalberto era apenas dez meses mais novo.
Eu não cheguei a conhecer meu avô, mas minha avó, a dona Maria da Salete Amaral Veras Barreto, prestes a completar 90 anos, sempre contava histórias sobre Adalberto, especialmente de quando ele se escondeu em sua casa, na avenida Pedro II, junto com o também jornalista João Manoel de Carvalho — ambos fugindo da perseguição imposta pelo regime militar. Assim como Adalberto, decidi enveredar pelo jornalismo, e, talvez por isso, minha avó tenha sempre rememorado essas histórias, que agora compartilho com os leitores. Para não me estender além do recomendado, neste primeiro texto focarei apenas na produção literária de Adalberto.
Aos 20 anos, um “escritor de grande e sólida experiência”
Adalberto Barreto nasceu em cinco de fevereiro de 1934 na cidade de Catolé do Rocha, no Alto Sertão do Estado. Autodidata, desde muito jovem demonstrou apreço às letras, destacando-se como contista.
Em janeiro de 1955, quando tinha apenas 20 anos, Adalberto inscreveu o conto O tesouro da pedra no Concurso Permanente de Contos do mensário A Cigarra, de São Paulo. No entanto, a comissão julgadora, formada por Aurélio Buarque de Holanda, Paulo Rónai e Constantino Paleólogo, não acreditou que um jovem de apenas 20 anos, como Adalberto, pudesse ter sido o autor daquele texto:
“O conto antológico que nos remeteu é, do ponto de vista estilístico e de técnica, de altíssima qualidade. Diz você que se trata de sua segunda tentativa e que conta vinte anos apenas. Como explicar tamanha contradição? Pelo pouco que sabemos, o estilo de ‘O Tesouro da Pedra’ é de um escritor de grande e sólida experiência. Não o podemos classificar, por conseguinte, a não ser que você nos prove, com outros trabalhos seus, que se trata de obra realmente de sua autoria, o que nos pareceu muito pouco provável”.
Contrariado com o parecer da comissão, que, nas entrelinhas, acusava-o de ser um plagiário, Adalberto escreveu ao Jornal do Comércio, do Recife, tecendo duras críticas ao concurso. Infelizmente, pela ausência de digitalização do jornal, não consegui recuperar o texto em questão. Não obstante, pelo tom adotado por A Cigarra na seção “Carta ao Leitor”, publicada na edição de março de 1955, podemos ter uma ideia dos “impropérios” proferidos pelo jovem contista contra a revista:
“[...] Os que estão habituados a ler a correspondência do nosso Concurso, muito mais velha em idade que o Sr. Adalberto Barreto, podem atestar a lisura, a independência, a imparcialidade com que examinamos os contos que nos são remetidos.
Moços de todo o país, das mais obscuras cidadezinhas do interior, têm visto, vêem e verão seus contos publicados nas páginas de A CIGARRA. Não precisamos salientar a excepcional significação dêsse [sic.] fato. De uns tempos para cá, decidimos não cair mais em semelhante logro. E para tanto, tôda [sic.] vez que recebemos um trabalho cujo estilo, cujo tema, cujas idéias, suscitem dúvidas quanto à sua autoria por um jovem, pedimos-lhe simplesmente que nos mande um outro trabalho, apenas para, nesse cotejo, avaliarmos ou não a sua originalidade. Nada há de ofensivo nem de desprimoroso para o concorrente nesse pedido, uma vez que lhe possibilitará confirmar as suas qualidades e conquistar o prêmio. Depõe, certamente, contra o candidato furtar-se a uma solicitação de tal natureza, não contra nós que nos precavemos e defendemos o direito dos demais concorrentes. A não ser que o Sr. Adalberto Barreto seja autor de um conto só e nada mais tenha a mostrar-nos. Ou carece daquela humildade que caracteriza os verdadeiros artistas. Por que motivo o Sr. Adalberto não nos confunde, provando a autoria do seu trabalho, ao invés de recorrer aos métodos estéreis dos protestos? [...]”
Adalberto, então, decidiu não continuar sustentando a polêmica, e acabou cedendo: remeteu uma carta para A Cigarra, além de outro conto de sua autoria, intitulado A marca do beijo, a fim de provar que O tesouro da pedra realmente havia sido escrito por ele. A comissão do Concurso Permanente de Contos deu-se por satisfeita, e, na edição de abril de A Cigarra, publicou uma nova resposta a Adalberto:
“Recebemos o recorte do ‘Jornal do Comércio’ onde fôra comentada a apreciação que fizemos de seu conto ‘O Tesouro da Pedra’ — julgamos indispensável defender a nossa posição e o fizemos na ‘Carta ao Leitor’ do número passado. Recebemos em seguida a sua carta, que era, precisamente, a reação que pretendêramos [sic.] provocar pondo em dúvida a autoria do conto. Coloque-se na nossa situação e imagine que dolorosa injustiça seria para com as centenas de outros concorrentes de todos os Estados do País, premiar e publicar um plágio. Raras vêzes surgem-nos dúvidas dessa espécie e estas são-nos despertadas por um certo anacronismo estilístico ou uma excepcional maturidade técnica. Não são características comuns em moços nem em estreantes, embora possam aparecer.
Daí a nossa preocupação em convidar o autor a confirmar a autoria, certos de que, conhecedor êle [sic.] dos princípios pelos quais nos guiamos, não hesitará em satisfazer-nos, sem sentir-se melindrado, porquanto nossa única intenção é evitar um triste equívoco. Temos o direito e o dever de tomar tais precauções e o concorrente só poderá sentir prazer em provar que nos enganamos, pois nesses casos também sentimos prazer em reconhecer que nos enganamos. O uso do pseudônimo nos trabalhos remetidos muito facilita a nossa tarefa e põe a salvo os interesses vários do concorrente. Sua carta revela que você compreendeu o verdadeiro sentido do nosso convite inicial. Podemos, agora, tranquilamente classificar ‘O Tesouro da Pedra’. Seu outro conto, ‘A Marca do Beijo’, será examinado no próximo número".
Finalmente, seis meses depois do início da polêmica, em junho de 1955, Adalberto teve o conto O tesouro da pedra publicado nas páginas de A Cigarra. Era só o começo de sua carreira como contista, tendo sido premiado também em outros concursos, como o “Augusto dos Anjos” e o “José Lins do Rêgo”.
Adalberto, inclusive, chegou a ser proprietário da editora Aquarius. Através dela, publicou o livro A morte de Lampião, de sua autoria, e também editou clássicos da literatura como Coiteiros, de José Américo de Almeida, e Zé Limeira, poeta do absurdo, de Orlando Tejo. Em 2004, reuniu alguns de seus contos no livro A cidade dos loucos, dentro da coleção Agon, que objetivava publicar a produção artística dos filhos de Catolé do Rocha.
No próximo texto, vamos falar sobre o trabalho jornalístico de Adalberto e sobre sua atuação à frente da Associação Paraibana de Imprensa (API).