Poucas coisas são tão poderosas quanto voltar a um lugar em que se foi feliz na infância. Rever paisagens em que seus risos de criança...

A sua bênção, meu rio

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Poucas coisas são tão poderosas quanto voltar a um lugar em que se foi feliz na infância. Rever paisagens em que seus risos de criança parecem estar gravados na areia fina, navegando em águas que dançam entre as pedras.

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S. Zaghetto
Eu prometi que seria minha última viagem à Amazônia profunda. Uma despedida da paisagem e das gentes amadas. Mas a vida dispõe diferente.

O sol do Equador ardia com força na pele, os ruídos da cidade (agora desconhecida, com sujeira espalhada pelo chão) eram turbilhão a me esmagar. Em nada lembrava o lugar silencioso do meu começo. Promessa mantida.

Foi quando meus olhos pousaram no velho rio que jamais abandona os meus sonhos. Tudo muda, exceto a beleza do rio Oiapoque. Eis de novo a névoa que desce como um véu sobre o corpo líquido e oculta o verde luxuoso e a curva suave das colinas nas margens.

A sua bênção, meu rio. Mergulho.

Minhas lágrimas se misturaram à correnteza. Saudade estrangula a gente. A água escorreu devagar pelos meus cabelos. Ao abrir os olhos, o rio me sorriu de volta. E me mostrou em suas águas outra criança. Parecia um peixinho corajoso, que cabriolava na correnteza usando apenas uma nadadeira.

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S. Zaghetto

Endrew – cujo riso é puro – nadava nas corredeiras da Grande Roche, no Oiapoque. Águas intranquilas que ele dominava.

Sereno, gentil, ele se sentou comigo na areia e, como um velho amigo, me contou de seus sonhos. Nada o impede de fazer coisa alguma. Nada teme. Nada lamenta.

Toda dor desapareceu diante de sua alegria de criança, de sua imensa capacidade de superar obstáculos. Não fosse pela foto, diria que foi miragem. Ainda hoje penso nele como a voz do rio me oferecendo a suprema lição da resiliência e da paz.

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S. Zaghetto
Uma lição que recebi lembrando dos versos de Tagore: “E quando velhas palavras morrem na língua, novas melodias brotam do coração; e onde as velhas trilhas se perdem, um novo país é revelado com suas maravilhas”.

Promessa rompida.

A sua benção, meu rio. Obrigada, Endrew.

Eu voltarei.

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