Se você colocar Estética de um lado, Dinheiro do outro, poderá ser que tenhamos aí duas abordagens bastante diferentes para um mesmo processo produtivo reconhecido como Artes Plásticas, ou Visuais, uma das 3 formas de Arte – ao lado da Música e da Poesia. Essas 2 bordas podem ser tanto opostas quanto contíguas, como as tabelas de uma sinuca.
Como artista visual contando 5 décadas de experiência, me sinto autorizado a falar, antes de mais nada pelo fato de ter – durante importantes quanto difíceis momentos dessa carreira – conseguido avançar na Primeira quando muito pouco dispunha do Segundo dos dois acima referidos elementos, escolhidos aqui como balizas comparativas para a análise profissional que estou tentando fazer.
Também tive momentos de ser bafejado pelo Segundo elemento como um prêmio pelos desenvolvimentos (coloco a expressão no plural para que se tenha em mente a diversidade dos aspectos, referendos, conceitos, técnicas e recursos que um fazer artístico pode aglutinar) da Primeira. Mas o que me ficou mais patente nesse tempo todo foi a independência que esses dois elementos abordados podem assumir um diante do outro, e isto tanto por desígnios exteriores ao controle do artista quanto por escolhas suas.
Durante um tempo eles podem seguir de mãos dadas ou completamente apartados do outro. Um a dormir enquanto o outro galopa.
Conheci artistas momentaneamente felizes por terem subido dois, três, quatro batentes acima daquela sua capacidade estética (habilidade expressional, domínio técnico e, linguagem) inicial, muito embora não passando dos poucos lances de uma escada que poderia, tranquilamente, elevá-los a dúzias deles. Mas eu digo, felizes, nessa subidinha, e geralmente, por terem através dela conseguido seu meio de ganhar a vida, não considerando aqui aqueles que se valem da influência ao ponto do plágio, e não de um plágio momentâneo – aceitável –, mas do plágio de uma vida inteira, uma comodidade que os pode excluir dessas considerações de natureza existencial, mas, pelo contrário, e em parte considerável dos casos, passarem de meros plagiadores a artistas razoavelmente bem sucedidos, e até glamourosamente conceituados, como foi o caso dos dois maiores artistas modernistas do Brasil – Portinari e Di Cavalcanti – que, durante as décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, num momento que já podia ser considerado um tanto defasado não fosse a nossa natural indolência de colonizados, desfrutaram de uma crítica bajuladora aos mandamentos internacionalizantes do cubismo Picassiano, adotado por eles. Um modismo estético que começara a alastrar-se pela Europa e países satélites do Ocidente.
Temos de levar em consideração que o fausto material pode ajudar – e muito, em um caminho a ser trilhado, explorado e ampliado por quem, a seu modo, conseguiu galgar andaimes da criatividade, mas consideramos difícil que avanços estéticos em sua forma basilar e revolucionaria se sucedam em condições materiais análogas. O fausto; o gozo; o usufruto luxuoso de bens; a tranquilidade material de um espírito sossegado; o conformismo diante de níveis de qualidade satisfatórios; uma autoestima exagerada a um ponto equivocado de valores, uma inflamação de ego, enfim... todas essas instâncias de espírito não corroboram para um levante de autenticidade que estabeleça novos marcos para ajudarem um artista – por mais criativo que seja ele – a elevar seus padrões de horizonte conceptivo.
A inquietação de espírito própria das biografias precoces; instabilidades na vida doméstica; enfrentamento de problemas que ameaçam a saúde e a vida; os fracassos de convivência humana; as desilusões que sempre aguardam almas sonhadoras; as grandes decisões, ou escolhas que somos forçados a tomar na vida, nas quais, e comumente percebemos estar deixando uma pilha para ficarmos com uma palha, e aprendendo a mais básica e sábia de todas as grandes lições da vida: viver é escolher, e escolher é perder. Logo, é perdendo que se vive.
As perdas, no entanto, têm um caráter mais quantitativo. O ganho, por seu lado, será qualitativo, e determina geralmente a natureza vocacional do vivente, obrigado a uma escolha crucial na vida. O quantitativo pode e tende a estar relacionado com o Dinheiro, o qualitativo com a felicidade interior. E no caso de um artista que troca uma profissão bem remunerada por uma atividade incerta no território das Artes, o qualitativo voeja pela Estética. Conheci inúmeros artistas que abandonaram seus cursos universitários para aprenderem a lavar pincéis e raspar palhetas de pintura. Eu próprio sou um deles.
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