Era um casal simpático. Caseiro. Ele cego. Ela colecionadora de terços. Viviam a estação da colheita.
Aguardavam minha visita, cada tardinha de sábado, e me recebiam efusivos; notava neles uma certa ansiedade se diluindo, enquanto eu me aposssava de confortável poltrona. Ele conversava todos os assuntos mais importantes da atualidade. Passados alguns minutos começava o ritual. A vela acesa num candelabro ímpar bonito e trabalhado.
A Imagem do Coração de Jesus. Eu lia as palavras do ritual e lhes ministrava a comunhão das hóstias levadas na pixide. Estava autorizado a exercer a missão de Ministro Extraordinário da Comunhão, após formação e designação da Arquidiocese. Por muito tempo, visitei o casal. Eles moravam num bangalô assentado na subida da 13 de maio que terminava na parede lateral da histórica igreja do Carmo. Após a missa, eu descia para a sagrada função que o Concílio Vaticano II concedeu aos leigos.
E ia feliz. Era como se fossem meus avós redivivos . Próximo ao fim do ano, meados de dezembro, fui surpreendido: embrulhado em papel de presente, um volume redondo. Só abra em casa, é um fruta-pão. Mas, antes disso, mal dobrara a esquina, rasguei o envoltório. Queijo do reino. Era mês das festas do Natal e Ano Novo. Fiquei por demais emocionado.
O presente se repetiu, enquanto lhes levei a hóstia consagrada. Sempre rimos nos reportando ao "milagre" do fruta-pão transformado em apetitoso queijo do reino.
Todavia, o que mais me emocionou, a ponto de me extrair lágrimas, foi o abraço apertado dado por ele, a me fitar o rosto. Seu largo sorriso de alegria, ao haver sido operado da vista escura e voltar a enxergar. Disse-me, chorando: — Eu tinha tanta vontade de fitar seu semblante!
Foi quando me desmanchei de felicidade.
Por mais tempo, a visita continuou. Quando tudo terminou e eles passaram à memória, ao descer do Carmo, na vesperal sabatina, recordava com intensa emoção aquele casal de anjos que houvera subido a outras luzes. Ainda sinto saudade de seu Guimarães e d. Maria José.