Em nome de discutíveis ordens, de injustas leis, de absurdas razões, os poetas são impunemente censurados, perseguidos, presos, torturados, fuzilados. Silenciados, enfim, os poetas. E, em cada um deles que se cala, morre um pouco da Humanidade. Sepulta-se parte do imaginário, esse traço atávico, essa força instintiva e divinatória que lhes permite profetizar o futuro, sonhar com outra humanidade, perseguir a utopia realizável de um mundo mais justo e, consequentemente, mais humano e mais feliz.
Tem sido este o grande crime dos poetas de todos os tempos. E a palavra, sua única arma.
Todos nós sabemos que a relação poeta-poder não é aqui um efeito de retórica. Os exemplos são tantos que seria escusado citar. Lembremos Garcia Lorca, sacrificado pela ditadura do General Franco. E, há bem poucos dias, o exemplo deprimente que a África do Sul acrescentou ao mundo, usando o recurso extremo contra o poeta que nem a prisão conseguiu destruir.
Ainda que em diferentes proporções, a violência silenciadora também se abateu sobre Augusto dos Anjos. Todos conhecemos os episódios que o levaram da Paraíba, para não mais voltar. E, neles, o papel decisivo do poder, camuflado pela insensibilidade grosseira da razão burocrática.
E, se nos voltarmos para o presente, para nossa própria geração, vamos encontrar Geraldo Vandré com o seu canto interrompido.
Como Augusto, ele também tematizou O lamento das coisas, a impossibilidade de ser, o desperdício das potencialidades. O que foi para o poeta centenário "a transcendência que se não realiza/ a luz que não chegou a ser lampejo/", foi para o cantor dos nossos dias a "vida tão linda, tão linda,/ perdida,/. "A vida tão linda/" que "/se perde em tristezas".
Os dois, despojando o gesto lírico do peso confessional, fazendo coincidir a sua voz com a voz da Natureza ou da Humanidade. Um expressou "o choro da Energia abandonada/ a dor da Força desaproveitada". Outro quis trocar as "dores e tristezas" de seu povo abandonado pelas "certezas e esperanças" de um novo canto. Ou de um novo tempo.
Augusto, integrando-se panteisticamente à Natureza, afirmou trazer em si "A solidariedade subjetiva/ De todas as espécies sofredoras".
Vandré também fez da solidariedade sua profissão de fé. E, acreditando como o Prometeu, no mito da ação resolutiva do homem, anunciava um futuro utópico onde "o amor mais lindo/ Vai ensinar/ Que todos os tristes/ Querendo/ Juntos/ toda tristeza vai se acabar".
Sabemos o peso conotativo que o vocábulo tristeza assume no universo simbólico de Geraldo Vandré. E mais ainda: testemunhamos o alto preço que lhe custou a opção pela forma de humanismo conformadora de sua expressão poética.
Mas "para sempre viverão/ Os poetas martirizados".
É a lição de Carlos Drummond de Andrade que nos indica, sempre mais, a direção da poesia. A direção iluminada e libertadora da poesia, lugar de resistência e de permanência dos valores essenciais do homem, que o poeta assume como sendo os seus.
Se, do ponto de vista do processo mimético, é verdade, como entende o mestre Eduardo Portella, que O poeta "só é poeta quando converte imaginariamente o horizonte, quanto morre na vida da obra", também não é menos verdadeiro que, do ponto de vista da continuidade histórica, o poeta se perpetua na obra, como o criador na criatura, como o homem particular no universal.
O poeta continua na obra, não no entendimento estreito de que esta seja a sua biografia em versos, ou a mera confissão de particularidades sentimentais. Continua porque na obra está a sua compreensão do mundo, a sua forma escolhida de participação no projeto humano, a complexidade do seu tempo transubstanciado em Linguagem. Não por um processo aleatório e gratuito, mas na luta permanente "que é uma questão de vida ou morte".