Das cinco perguntas, a primeira é tão abrangente e desafiadora que, nela, todas estão contidas. Assumo a ousadia de responder: “quem foi Odilon como pessoa, como homem. Qual sua filosofia de vida, que valores ele defendia.”
Partirei de uma indagação: Por que Odilon tinha o dom de encantar pessoas com características tão diversificadas? Ou, em outras palavras, o que fazia de Odilon um ser tão especial?
Partirei de uma indagação: Por que Odilon tinha o dom de encantar pessoas com características tão diversificadas? Ou, em outras palavras, o que fazia de Odilon um ser tão especial?
Fiz esta pergunta a minha amiga, Solange e ela respondeu, quase de imediato, que era a alegria de viver, o encanto maior de seu amado Odilon.
Atitude muito rara entre as pessoas, a alegria de viver nele se concretizava através de um otimismo inabalável, mesmo diante de situações que parecessem a outros, de grande dificuldade. O entusiasmo pela vida também alimentava o bom humor permanente que emanava de sua forte presença, jamais rendida à fatalidade do tempo.
Os cabelos podiam ser brancos, mas os projetos eram de vida; os sonhos incluíam a expectativa do futuro. E essa projeção no tempo talvez guardasse o segredo da extraordinária jovialidade, particularmente refletida no riso brejeiro que se arquitetava entre a expressão dos lábios e a significação do olhar.
Na forma personalíssima de viver, Odilon parecia atemporal, como se pudesse dispor, simultaneamente, do fascínio de todas as idades. Nele se invertia o aforismo: a mocidade sabia e a velhice podia.
Existe a tendência de concluir, superficialmente, que tal disposição diante da vida é um dom natural. Que a alegria de viver nasce com o indivíduo, como a beleza ou outro atributo de origem.
Mas não é verdade esta conclusão. A atitude perante a vida, conforme o ensinamento da filosofia, é uma orientação seletiva e ativa do homem, um projeto de opções e de comportamento.
Portanto, um ser excepcional não é fruto do acaso, mas uma construção consciente. Resulta da condição humana cultivada, “como um jardim se tira de terra”.
Sabemos que Odilon nasceu rico e capaz. Circunstâncias favoráveis, às vezes reduzidas a nada, por muitos exemplos que todos conhecemos. No entanto, ele dirigiu essas condições favoráveis para o aprimoramento de suas potencialidades. Colocou o ter a serviço do ser, deixando claro que o essencial era ser sábio, compreender-se, para compreender melhor os homens, o mundo e seus complexos mecanismos.
Poderia ter sido apenas um multiplicador de bens materiais. O construtor de um império econômico que todos chamassem de bem sucedido.
Mas quem conhece Odilon sabe que o seu reino não era deste mundo. Desde cedo prevaleceu para ele a ordem de valores onde a inteligência e a sensibilidade se destacavam como opções prioritárias. Nada em sua vida que não passasse pela inteligência e pela sensibilidade. Daí a visão-de-mundo singular, incomum, surpreendente e muitas vezes incompreendida, por não corresponder aos restritivos chavões maniqueístas.
Não faço o elogio de um amigo, mas a análise de uma destacada individualidade, com fundamento na observação que a convivência e a amizade me propiciaram, no perfil traçado pela pluralidade de conceitos dos que escreveram sobre ele e nos artigos, discursos, conferências e ensaios deixados por Odilon, onde se expõem os temas de sua predileção e se revela a sua dimensão de escritor.
É suficiente rememorar as preferências, as amizades, os grandes gestos de Odilon para concluir que neste depoimento não se sobrepõe a subjetividade, o afeto que poderia ampliar as proporções.
A família do espírito, como se se costumam denominar as amizades, ele encontrou entre escritores ou artistas. Relações de intensa reciprocidade cultivadas pela vida inteira, a exemplo de Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Thiago de Mello, Portinari somente para citar alguns dos nomes mais ilustres.
Ainda muito jovem, conquistou o Recife através de um dos seus belos gestos. Escolhido como líder estudantil de grande destaque para disputar uma vaga de deputado constituinte, Odilon se fez substituir por Gilberto Freyre, alegando a qualificação do mestre a quem tanto admirava. Ganhou o cognome de Príncipe, em referência ao desprendimento e à nobreza desta atitude.
Certa vez, sentiu falta de Manuel Bandeira no Recife. Mandou esculpir por Celso Antônio o busto do poeta e ofereceu de presente ao Estado de Pernambuco. Quando o pé de Tamarindo de Augusto dos Anjos perigava morrer, tendo carcomida a base do seu tronco, ele trouxe o agrônomo Estêvão Strauss para curar aquela ferida. Por esta iniciativa é que ainda existe a árvore em cuja sombra se abriga, simbolicamente, a sombra do poeta.
Assim era Odilon, na devoção aos valores que julgava supremos.
Nada é mais definidor da personalidade que o refúgio da morada. Pois a casa de Odilon e Solange era uma galeria de arte. Um santuário da beleza, da inteligência e da sensibilidade. Quadros, esculturas, lembranças antigas e livros, em vez do luxo ostensivo e vazio. Na biblioteca de trinta mil volumes, o tesouro de Odilon e também o seu coração, segundo a lição do evangelho: “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.
Há os que sonham com iates, jatos supersônicos, ilhas da fantasia ... E encontram nestes símbolos o limite de suas conquistas, o motivo de suas desfiguradas alegrias. Odilon sonhava com livros. Esta é a medida de sua grandeza. Porque um homem se revela, antes de tudo, pela matéria dos seus sonhos e pela qualidade das suas alegrias.