Já se acostumara à sua vivenda entrançada em finos arames. Naquele exíguo cubículo por onde o mundo exterior entrava e...

O rouxinol

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Já se acostumara à sua vivenda entrançada em finos arames. Naquele exíguo cubículo por onde o mundo exterior entrava em bloquinhos vazados, a ave canora, princesa dentre todas, debicava o que lhe colocavam como alimento, e, durante o dia deixava que seu canto divino revoasse as redondezas. Os vizinhos gostavam do melífluo cantar do rouxinol.

Um deles, que tocava na Orquestra Sinfônica, opinava, comparando cheio de orgulho alguns traquejos sonoros a verdadeiros traços de compositores de fama. A mulherzinha dos fundos gostava da companhia dos trinados e relembrava, chorando, o seu marido, não se sabe por que associação de idéias.

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Ananda Porto
Os donos do pássaro zelavam por ele como se fora o bem mais precioso. O rouxinol tinha uma história: viera, não se sabe de onde, num cansativo voo perdido, e, não aguentando mais o cansaço, caíra no quintal daquela abençoada casa que o acolhera. As crianças o encontraram fraquinho, arquejante, o bico procurando aspirar o ar que, por sinal era muito, atraído pela flora compacta conservada no quintal.

Sujo de areia, magrinho, as penas escassas, foi socorrido pela família, levado para um aposento desocupado, deitado num colchão de retalhos de panos. Deram-lhe o tratamento adequado e, quando recuperado totalmente, foi colocado numa decente gaiola de tamanho amplo. Dentro de sua morada, podia fazer movimentos de malabarista, tanto que não sentiu falta de sua antiga amplidão de céus, de infinitos revoluteios, quando bicava o sol e a lua como se fossem frutos.

Havia, porém, a rondar um perigo negro que se equilibrava, sorrateiro, sobre o muro maltratado e passeava sobre o telhado da lavanderia. Enxotado, saía vagaroso e matreiro, limpando os bigodes com a saliva, ressaltando as unhas finas e afiadas. Deixava, muitas vezes, que os olhos brilhantes ficassem atentos, numa cruel admiração, a todos os trejeitos do belo rouxinol.

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@jogapraroloniteroi
Certa tarde, fora flagrado pela lavadeira, a dar pulos, qual jogador de basquete, procurando acertar a gaiola e derrubá-la. A vassoura de piaçava o tangeu acompanhada pela gritaria que veio dos meninos que estavam perto. Era um verdadeiro demônio negro o tal bichano que calculava um meio de dar o certeiro e fatal assalto, levando a presa na boca, as asas grifadas de sangue a escorrer, o ágil salto para lugar estranho. Nem imaginar. O tema e o cuidado com o engenhoso fidalgo da morte era assunto constante, durante as reuniões dos donos do rouxinol, procurando uma forma de descartar o inimigo antes da tragédia anunciada.

Num entardecer, as crianças foram colocar a porção da noite para o querido pássaro. Qual não foi a desagradável surpresa! Exangue, ainda dando o derradeiro suspiro, o rouxinol tinha um furo sob o peito. Abriram a gaiola. Fora o arremesso de uma pedra de baladeira. O piso da gaiola estava rubro. Pintura da morte. Tudo emudeceu. Levaram o corpinho da ave e o enterraram, à luz do sol esfiapado, sob a goiabeira. O gato sumiu.

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  1. JOSE MARIO ESPINOLA12/8/23 16:13

    História triste, porém muito bem contada, muito bem escrita.

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