Cresci recebendo formações humanas que se revelaram muito importantes para mim, ao longo da vida. A minha mãe Nair exerceu (ou tentou) forte influencia cristã sobre mim. Católica, mais exatamente. Mas a formação que mais me influenciou foi aquilo que me foi transmitido pelo meu pai, Chico Espínola: ética e moral. Respeito pelo próximo e pela natureza.
Mais do que magistrado, ele foi para nós um exemplo de ser humano. Como poucos, já saíamos de casa com o senso de retidão na cabeça. Ele nos deixava à vontade para, como dizem os evangélicos, praticarmos o livre arbítrio e assumirmos a responsabilidade. Mais tarde tive a oportunidade de sofrer a influência de meu sogro, o também magistrado Walter Sarmento, que agia para com os seus filhos de forma semelhante à do meu genitor. O seu exemplo foi muito importante para mim, minha esposa Ilma, e os meus filhos.
Essa minha formação, cristã e moral, foi determinante para as condutas que tomei ao longo da vida, para com o próximo e a natureza. E assim cresci e me desenvolvi.
Tornei-me profissional médico, onde pude aplicar toda a minha formação paterna de humanismo, e materna de cristianismo. E hoje, olhando para trás, vejo como ambas foram tão importantes para cumprir as minhas obrigações de pai, marido, cidadão e profissional.
Quis o destino que ao longo da vida profissional eu viesse a me tornar juiz dos outros médicos, na qualidade de conselheiro do Conselho Regional de Medicina, para onde fui levado pelas mãos do Dr. João Modesto Filho. No CRM pude aplicar a orientação que recebi de meus pais.
Tive muitas batalhas de consciência, para conseguir aplicar a justiça sem prejudicar alguém. Ao longo dos tempos constatei que em algum momento falhei, porém por erro meu, jamais intencionalmente. Fiz o possível para não ser injusto.
Durante a minha formação católica aprendi sobre os Pecados Capitais. Especialmente quando ainda era criança, estudando o curso primário (hoje fundamental), até que entrei na adolescência. Aí...!
Aí chegaram os hormônios, e com eles desenvolvi senso crítico. E passei a ver com outros olhos o que recebia de formação religiosa, principalmente estudando no colégio católico Pio X.
Começa que nunca aceitei o tal de Pecado Original. É um absurdo que deveria ser revisto pela igreja católica! Uma criança nascer condenada ao inferno porque um casal hipotético transou escondido fora do casamento muitos milhares de anos atrás! Eles foram criados com seus respectivos sexos para que? Para posar para Tintoretto, Michelangelo ou Da Vinci?
Para dar um exemplo da minha mudança de pensamento da infância para a adolescência, vejam como recebi a mesma informação em duas ocasiões distintas.
Na primeira eu tinha 10 anos, às vésperas de fazer a Primeira Comunhão, impregnado de religião, quando a nossa tia Nevinha chegou de sua primeira viagem à Terra Santa. De lá ela trouxe para Mamãe um crucifixo contendo uma lasca da cruz onde Jesus Cristo havia sido sacrificado. Media uns 4 centímetros, e me deixou embevecido: já pensou, A CRUZ DE CRISTO?!
Anos depois, eu já sob o efeito dos hormônios dos 14 anos, tia Nevinha fez outra viagem a Jerusalém e trouxe novo presente para Mamãe. Desta vez um rosário cuja cruz continha outra lasca da cruz de Cristo.
Então, com a cabeça de um adolescente cretino, e ainda por cima louco por matemática aplicada, comecei a pensar e fazer cálculos.
Multipliquei o tamanho da lasca da cruz pelo número de visitantes que Jerusalém recebia por ano, depois, multipliquei o resultado por 20 séculos de visitações. E cheguei à conclusão que a cruz onde Jesus foi sacrificado media a altura de um prédio de 10 andares! Mamãe deu a gota! Papai achou graça.
Mas vamos voltar aos pecados, que é bom.
Pois bem. Como falei, em minhas aulas de religião aprendi sobre os 7 Pecados Capitais. São eles: gula, luxúria, avareza, orgulho, inveja, ira e preguiça.
Quando foi criada, essa lista refletia os comportamentos que eram mais deletérios para a sociedade da época. Nesse tempo ainda não conheciam fofoca, Lava Jato, notícias falsas, Centrão, misoginia, covardia, corrupção, nazifascismo, perseguição a homossexuais, golpes contra a democracia, e tantos outros pecados tão atuais.
O tema Pecado tem sido uma forte inspiração para a arte. Nos anos 1950 Hollywood lançou um dos filmes mais famosos da bela atriz Marilyn Monroe, que era o maior símbolo do pecado daquela época.
O Pecado Mora ao Lado (Billy Wilder – 1955) fez muito sucesso ao contar a história do pacato cidadão (Tom Ewell) que se apaixona pela vizinha sensual (Marilyn Monroe). O filme exibe a famosa cena dela passando sobre a grade do túnel do metrô, e a saia flutuando com a passagem do trem.
Para Alceu Valença “...a cor do pecado é rouge carmim...” (Rouge Carmim - Alceu Valença – 1983):
Assim que eu te vi muito louca
Olhei tua boca e ficamos a fim
A fim de fazer um pecado
A cor do pecado é rouge carmim
E a cor do pecado é rouge carmim
Mas a cor do pecado é rouge carmim
E a cor do pecado é rouge carmim
A cor do pecado é rouge carmim
Mas a cor do pecado é rouge carmim
No ano anterior ele havia lançado a música "Como Dois Animais":
Meu olhar vagabundo de cachorro vadio
Olhava a pintada e ela estava no cio
E era um cão vagabundo e uma onça-pintada
Se amando na praça como os animais
Entre 1480 e 1490, Hyeronimus Bosch, pintor flamengo, terminou o tríptico O Jardim das Delicias Terrenas. O tema não podia ser outro: a luxúria! Na aba esquerda está o paraíso. Na aba direita está o inferno. Ao centro encontra-se Bosch desfrutando dos prazeres da carne.
Já em 1551 Tintoretto lançou a célebre pintura Marte e Vênus surpreendidos por Vulcano. O tema também é a luxúria.
É claro que a maioria dos pecados é abominável. Mas alguns não deixam de ser interessantes. A luxúria, por exemplo, precisa ser revista. Sofrer emendas, como fazem no Congresso daqui. Sexo, desde que sem exageros, dentro do tolerável, decidido em comum acordo entre os dois, não deixa de ser bom.
Já a gula, este é o pecado mais difícil de ser evitado. Junto com a luxúria, deve ser o mais freqüente nos confessionários.
Não tem religião que segure um cristão diante de um risoto de frutos do mar, no Alfredo. Ou uma sopa de cebola no Café 283. Ou um gnocchi de batata doce com carne de sol desfiada, al sugo, no Café São Braz do Manaíra. Seguido de um sorvete de castanha com mangaba e cobertura de morango na Friberg. Ou, pecado dos pecados: um quindim no Café São Braz, no MAG Shopping do amigo Manuelzinho Gaudêncio!
Assim, os amigos endocrinologistas que me perdoem: elejo a gula como o meu pecado preferido!
E o seu pecado predileto, qual é?