Em maio de 1932, quando foi publicado o “Catalogo historico e descriptivo dos sellos postaes do imperio do Brasil”, o respeitado e temido crítico literário Agrippino Grieco fez, em artigo publicado em O Jornal, do Rio de Janeiro, e no Diário de São Paulo, o seguinte comentário sobre o autor da obra:
“Nunca pensei que esse meu velho companheiro de bohemia viesse a tornar-se tanta coisa na vida. Em moço, foi membro da Escola Evolucionista [...] Aparentou-se depois com os publicistas [...] Improvisou-se caçador de diamantes e de pepitas de ouro no interior do Brasil, e esteve até preso como revolucionario nos dias épicos da façanha ambulatoria do condottiere Prestes.
E, agora [...] é simplesmente tudo isto: membro honorario da Sociedad de Geografia y Estadistica de Mexico, da Societé Academique d’Histoire Internationale, da Academie Victor Hugo de Paris e da Sociedade Philatelica Paulista, membro effectivo do Instituto Historico de Ouro Preto, do Club de Engenharia do Rio de Janeiro, da Sociedade Entomologica do Brasil, da Sociedade Brasileira de Botanica, do Instituto de Americanistas do Brasil, da Sociedade Philatelica Brasileira e do Club Philatelico do Brasil...”
E, agora [...] é simplesmente tudo isto: membro honorario da Sociedad de Geografia y Estadistica de Mexico, da Societé Academique d’Histoire Internationale, da Academie Victor Hugo de Paris e da Sociedade Philatelica Paulista, membro effectivo do Instituto Historico de Ouro Preto, do Club de Engenharia do Rio de Janeiro, da Sociedade Entomologica do Brasil, da Sociedade Brasileira de Botanica, do Instituto de Americanistas do Brasil, da Sociedade Philatelica Brasileira e do Club Philatelico do Brasil...”
Agrippino Grieco se referia no seu artigo ao engenheiro, arqueólogo, paleontólogo, botânico, etnólogo, cartógrafo, historiador, filólogo, folclorista, museólogo, e tantas outras especialidades mais, Leon Francisco Dominguez Clerot. Nascido, em 1889, em Nova Iguaçu, filho de um francês e de uma espanhola, Leon Clerot formou-se em engenharia civil no Rio de Janeiro, onde trabalhou por alguns anos. Depois, se transferiu para Minas Gerais, tendo participado da fundação da Escola de Arquitetura de Belo Horizonte vinculada à UFMG. Na primeira metade da década de 1930, Leon Clerot se mudou para a Paraíba.
Na Paraíba, onde viveu até a sua morte em 1967, Leon Clerot se tornou uma das figuras mais destacadas da ciência e da cultura paraibanas. Trabalhou no Centro Agrícola de Pindobal, em Mamanguape, foi engenheiro do Departamento de Estradas e Rodagens – DER, elaborou vários projetos para a construção civil (o prédio da Associação Paraibana de Imprensa - API foi um deles) e foi o primeiro diretor do Museu do Estado. Participou da Comissão Paraibana de Folclore, criou, juntamente com Arnaldo Tavares, Hermano José e outros, o Centro de Artes Plásticas da Paraíba e exerceu o magistério na antiga Faculdade de Filosofia da UFPB. Mas, as contribuições mais importantes de Leon Clerot para a Paraíba foram as suas pesquisas na área da geologia, da paleontologia, da arqueologia e no estudo das zonas fisiográficas do Estado. A sua mulher, Luzia Ramalho Clerot, também merece ser relembrada. Filiada ao Partido Comunista, foi uma das duas primeiras mulheres a disputar um mandato eletivo na Paraíba, o que ocorreu na eleição para Assembleia Nacional Constituinte de 1946.
Dentre as principais obras publicadas por Leon Clerot encontram-se um “Vocabulário de Termos populares e Gíria da Paraíba” e o “Glossário etimológico tupi/guarani - Termos geográficos, geológicos, botânicos, zoológicos, históricos e folclóricos de origem tupi-guarani, incorporados ao idioma nacional”. Em 1969, foi publicado pela Editora Pongetti, do Rio de Janeiro, o livro “30 anos na Paraíba — Memórias corográficas e outras memórias”, uma coletânea de artigos de Clerot versando sobre aspectos da geografia, da fauna e da paleontologia da Paraíba. Desta obra, extraí o texto, escrito há cerca de sessenta anos, que trata do Cabo Branco, um dos locais mais emblemáticos da Cidade de Nossa Senhora das Neves:
O Cabo Branco fadado a desaparecer...
Que o Cabo Branco está fadado a desaparecer, é fato fora de qualquer dúvida. A ação abrasiva do mar, solapando nas marés cheias a sua base provoca a todo momento o desmoronamento de prismas de terra de suas encostas cujo aluvião o mar dissolve e carrega mudando-lhe o aspecto e reduzindo-lhe o volume. A sua maior elevação acima do nível do mar já desapareceu.
O Cabo Branco, cujo nome se originou da argila branca que predominava na sua estrutura, perdeu essa característica como perdeu a primazia de ser a ponta mais oriental das Américas, primazia que cabe agora à ponta do Seixas, saliência secundária outrora, quando o Cabo avançava quase um quilômetro além de sua extremidade atual.
Na baixa-mar das marés de equinócio ainda se vai facilmente até o fim do seu antigo embasamento. No trajeto são perfeitamente visíveis, submersas, as argilas de colorações variadas e os blocos de arenito ferruginoso abundantes nas formações da “Série Barreiras”.
A contra-corrente marítima destruidora entra pelas interrupções que existem na linha de recifes que acompanha a costa do Nordeste Oriental denominadas “barretas”. Uma existe em frente ao Cabo; por ela o mar se engolfa quebrando-se com maior violência nas suas escarpas do que nas praias protegidas pelos recifes.
Como se não bastasse a ação abrasiva do mar, o homem associou-se a essa obra de destruição que agora se processa em ritmo acelerado. As matas que guarneciam o planalto do tabuleiro foram totalmente arrasadas. Essas matas eram constituídas de vegetação alta e densa destacando-se das demais uma árvore de porte mais elevado que servia de baliza para os jangadeiros na sua volta das pescarias em alto-mar. Hoje mais nada existe; em pouco mais de 10 anos a própria vegetação arbustiva das encostas sofreu o desbaste do machado, foi reduzida a carvão e os desmoronamentos sucedem-se com maior frequência.
Percorrendo a antiga mata do Cabo Branco tivemos sempre a ideia de que ela se enquadraria num Parque Nacional juntando-se-lhe a mata da Penha onde ficariam resguardadas as plantas-padrão de nossa flora litorânea já tão desfalcada, acolhendo também os remanescentes da fauna em via de total desaparecimento. Idealismo piegas! A mata reduzida a lenha e a lenha a “patacas” representa sem dúvida uma solução mais prática. Atualmente a superfície do planalto foi revolvida a trator para nivelar irregularidades do terreno, pois projeta-se construir ali um bairro novo.
Esse trabalho, facilitando a infiltração das águas pluviais, contribuiu para o desmoronamento das encostas.
Em 20 anos o Cabo Branco perdeu 50 metros de avanço a leste sobre o mar; essa observação nossa foi confirmada pelo geólogo Luciano Jacques de Moraes por ocasião da visita do 1º Congresso Brasileiro de Geologia a esse acidente geográfico em 1954.
Assim, a configuração da costa modifica-se através do tempo pela ação de causas diversas, entre elas a das correntes marítimas. As praias de Olinda em Pernambuco são castigadas com sérias ameaças por essas correntes; outra, a praia Carne de Vaca, ao sul do rio Goiana já foi destruída com todo o seu coqueiral e uma rua inteira de casas; ao sul de Cabedelo na Paraíba, a praia Formosa vai ter a mesma sorte; ao norte do estuário do Paraíba a ponta de Lucena cresce e no Ceará a legendária praia de Iracema já desapareceu sob a voragem das ondas.
O Cabo Branco desaparecerá – alea jacta est – podendo-se prever desde já a sua situação dentro de 50 anos. Mas, a Paraíba continuará sendo a detentora da ponta mais oriental das Américas, disputada pela Ponta de Pedras em Pernambuco. As coordenadas geográficas da Ponta do Seixas dão 34º47’58’49’W.G. e as da Ponta de Pedras dão 34º48’33’37’W.G. dando para o Seixas um avanço de 1.683 metros a mais para leste. Ainda, entre esses dois pontos, há, na Paraíba, outra saliência intermediária – a ponta de Jacuman – oito milhas ao sul do Cabo Branco, detentora do segundo lugar.
Haverá meios de salvar o Cabo Branco? Há, certamente. A construção de um cais de altura suficiente com um enrocamento protetor, impediria a ação abrasiva do mar. Esse cais contornaria todo o maciço do Cabo até onde as marés máximas atingem a sua base. Seria obra de fácil execução, deixando entre o Cabo e o cais uma pista de acesso para a ponta do Seixas. Mas, esta solução sugere logo uma pergunta: para que procurar subtraí-lo à ação destruidora das vagas se o homem por ignorância ou ambição procura destruí-lo por outros meios?