A escritora Heloísa Buarque de Hollanda, que acabou de tomar posse na Academia Brasileira de Letras, na vaga de Nélida Piñon, resolveu, aos 84 anos, trocar de sobrenome. Reirou o Buarque de Hollanda de seu ex-marido e colocou no lugar o Teixeira de sua mãe. Heloísa é uma intelectual respeitada, independentemente de gênero. É também uma feminista antiga (no bom sentido) e militante, e é provavelmente por este viés que ela explica a inusitada decisão.
Certamente não faltará quem ache sua resolução um pouco (ou muito) tardia. Afinal, por que só agora, em idade crepuscular (bem conservada, é verdade), resolveu livrar-se do sobrenome conjugal, aliás de bastante prestígio artístico e cultural, e do qual, em alguma medida, não se pode negar, beneficiou-se em sua já longa carreira de intelectual e escritora? Mas é a velha história: nunca é tarde para ser feliz. E se deixar de ser Buarque de Hollanda para ser Teixeira faz Heloísa se sentir melhor, mais mulher ou mais seja lá o que for, questionar quem há de?
Informo aos curiosos que esse famoso sobrenome cancelado apenas indiretamente tem a ver com o do também famoso compositor de “A Banda” e deve-se ao fato de o ex-marido de Heloísa ser primo da referida celebridade. Como se vê, a futura acadêmica nunca foi Buarque de Hollanda de sangue ou de raiz, como agora se diz, mas apenas, digamos, tomou carona, quando casou-se, no nome de família do então marido. Por isto, talvez, mesmo que tardiamente, tenha feito bem em descartá-lo, já que é mesmo muito patriarcal e machista esse negócio de a mulher, pelo casamento, tradicionalmente tomar o sobrenome do cônjuge. Por que não o contrário?
Entretanto, fico pensando se virar moda as esposas e ex-esposas retirarem o sobrenome do marido. Quanto trabalho terão os cartórios de registro civil e outras repartições públicas para regularizar a nova situação dessas mulheres, digamos, emancipadas, pelo menos no nome, digo, no sobrenome. Mas que seja, se assim tiver de ser. Vai dar uma confusão danada em muitos lugares e situações, não tenho dúvida, mas se esse é o preço da mudança, o mulherio, tenho certeza, está disposto a pagar. No Youtube, na chamada do vídeo da solenidade de posse na ABL, o nome adotado ainda foi o antigo, mas o atento presidente Merval Pereira teve o cuidado de chamá-la de Heloísa Teixeira. Pequenas saias justas que irão sendo corrigidas daqui para a frente.
E os inúmeros livros já publicados por Heloísa com o antigo sobrenome? Quando e se reeditados, sairão em nome (e sobrenome) de Heloísa Teixeira? Mas quem é essa desconhecida autora, perguntará o leitor menos informado. Olha aí o problema para a escritora, os leitores, as editoras e as livrarias. Uma solução prática seria, na capa desses futuros livros, colocar após o Teixeira a seguinte ressalva: ex-Buarque de Hollanda. Mas será que a altiva Heloísa aceitará o que para ela, a esta altura, talvez seja uma afronta? Grave questão.
Penso, por exemplo, na paulista Lygia Fagundes Telles, que não teve nenhuma dificuldade em manter o sobrenome Telles do primeiro marido, mesmo quando dele divorciou-se e posteriormente se casou com o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes. Penso também na cearense Rachel de Queiroz, que nunca anexou ao seu o sobrenome de qualquer cônjuge ou companheiro. Atitudes diferentes de mulheres igualmente valorosas.
Interessante é que a ABL conta com outra acadêmica também muito feminista e de muito brilho próprio que mantém, com aparente tranquilidade, o sobrenome marital. Refiro-me a Roziska Darcy de Oliveira, que adotou, aliás com exclusividade, o nome de família do diplomata Miguel Darcy de Oliveira, sem que isso, até hoje, a tenha incomodado ou diminuído sob qualquer aspecto.
No caso da escritora Heloísa Teixeira, certamente a questão do nome matrimonial adquiriu um outro peso. Fez bem ao seu lépido espírito livrar-se do que para ela talvez tenha se transformado num inadequado adereço para uma mulher tão segura de si. Cada caso é um caso, é um caso, é um caso, diria Gertrude Stein com sua indiscutível autoridade – e segurança.
Apesar da idade já um pouco longeva, Heloísa parece muito saudável e disposta, em todos os sentidos. Eu diria que se mantém até mesmo bonita ou, no mínimo, interessante. É de se esperar, portanto, que ainda nos faça algumas surpresas, pois afinal continua sendo a mesma intrépida, a despeito do novo sobrenome. Sinceramente, confesso que estou curioso.