Eu preferia o cavalo verde do carrossel Maia. Nunca entendi por que essa preferência pela cor. Havia um giro de fantástica ousadia, a empanada do brinquedo em listas largas, as crianças sorridentes montadas nos corcéis, subindo e descendo, a fila cada vez mais se estendendo, nas tardes de domingo no parque. Jacob do Bandolim tocando nas amplificadoras, o som saindo do vinil, atingindo o alto-falante grande no alto do poste. Havia montanha-russa movida a gasolina, canoas, rodas gigantes alçando sonhos ao alto, bolas de oxigênio inquietas amarradas em linhas de costura, namorados passeando, cachorros-quentes, maçãs do amor, amendoim confeitado. E muito mais: três ou quatro pavilhões enfeitados, superlotados, bilhetinhos tímidos de amor levados pelas garçonetes para as escolhidas dos frequentadores.
À noite, durante o transcorrer da novena, as músicas profanas silenciavam. Somente se escutavam os sermões, o ritual, os belos cânticos, a ladainha. Muitos se compenetravam dentro do templo, mas outros ziguezagueavam, num entra e sai reclamado pelo celebrante. Eram rapazes, moças, crianças que não se fixavam na celebração, apenas visitavam a imagem branquinha da homenageada e saíam fazendo o sinal da cruz. A banda de música da Polícia Militar do Estado ou da Prefeitura, com os instrumentos descansados sobre o pátio, esperando o amém final para iniciar a retreta. Os responsáveis por cada noite se esmeravam em tornar belamente ornado de flores o altar-mor, em honra da mãe de todos os paraibanos. O interior do templo não cabia a multidão devota de Nossa Senhora das Neves. Era, realmente, uma festa onde o profano se entrecruzava com o sagrado, sem reserva.
E eu preferia o cavalo verde do carrossel Maia. Vestido em marinheiro, o cabelo cortado a militar, esperando minha vez em montar o querido equino eleito pela minha inocência, numa ansiedade crescente. Chegada minha vez em ingressar no bonito carrossel, meu pai me confiou a uma mocinha. Esta me seguraria, a fim de que eu não viesse a me desequilibrar e cair. Começou a corrida almejada, eu orgulhoso no meu cavalinho verde, a acenar para meu pai e minha mãe, felicíssimo pela proeza.
Eis que uma tontura me fez começar a escorregar pela barriga do animal de brinquedo. E a menina que me cuidava se mostrava incapaz em controlar vexatória situação: fatalmente eu iria acidentar-me. Mal esperei, uma mão me segurou. Pensei fosse meu anjo da guarda exaltado pela professora na aula de catecismo, no grupo escolar. Procurei as asas e encontrei o esvoaçar do paletó branco de meu pai, e no seu rosto uma força imensa, uma expressão sobrenatural, ao livrar o filho de uma terrível queda. E, enquanto mandava parar o giro do carrossel, chorava de alegria e me beijava com ardor. Desde aquele episódio compreendi que anjo de carne e osso existe e se traja terno de linho branco, veste pura de amor paterno. Anjo que arrisca a vida para ver o filho a salvo. Obrigado, papai.