Era a nota que faltava à teimosia de uma crônica que nunca soube como começa e menos ainda como termina.
De que procedência, essa nota?
Nos anos setenta animava-me o sonho de leitor literário ou de boa parte dos leitores do gênero de se transpor inteiro na ventura libertária de uma criação superior às rígidas limitações da vida. De superar essas limitações não só esconjurando-as no endereço da consciência social mas ajudando na formação dessa consciência. A sensibilidade que a lógica e a retórica não conseguiram ferir, uma brochura como a que me fez conhecer o escrivão Isaías Caminha mudou profundamente a direção de toda uma vida.
E, no corpo a corpo, tirante a influência das leituras políticas, com quem mais me acamaradava na concepção da arte como instrumento de conscientização? Com Geraldo Sobral, com Adalberto Barreto e ninguém menos que Antônio de Figueiredo Agra, na mesa do café de nossas casas, aqui ou em Campina Grande. Dele ouvi mais ou menos assim, e numa hora em que o romance russo passou a seguir à risca o manual da propaganda: “Eu só não concordo com a arte condicionada, a arte a serviço de uma ideologia ou de um partido. Sei apenas que não pode ser alienada, arte só pela arte.”
Entrava esse gênero de ideias nas nossas frequentes conversas, de algum contraste com o radicalismo decretado entre as matrizes da nova crítica literária brasileira (tão radical quanto os marxistas) lideradas, entre outros, por Afrânio Coutinho, que conheci de vista no gabinete de Simeão Leal, onde andei asilado por uns dias, na Divisão de Cultura do MEC, no Rio. Conheci de vista ainda que me sentando a um canto da mesma sala. Coutinho falava soberbo e enfaticamente em sua intimidade com Simeão, contra tudo o que até ali eu havia lido e entendido como receita:
“A literatura não advém, como quer Taine e Silvio Romero, do meio, da raça e do momento. Ou como querem os marxistas. Todos estes são fatores extrínsecos ao fenômeno literário.”
- Betinha o que acha disso, indaguei, anos depois, a seu mano Antônio.
- Sua ligação principal é com Portela, que fortaleceu sua vocação de professora e acendeu sua liderança.
Tive medo, então, de ler sua Intertextualidade, que mesmo das formas simples fui deixando para mais adiante. Li outros trabalhos, todos enriquecidos pela experiência ricamente cultivada da mestra e líder dentro e fora da sala de aula, mas não sei onde estive esses anos todos que não me inscrevi entre as centenas de depoimentos que entram em sua autobiografia editada há dois anos.
Passei batido e me penitencio, sobretudo diante da lição que me passa, com muita altura, ainda em tempo, ou seja, enquanto acerto o passo, já trôpego, pelo lado de cima da terra e nem sempre por calçadas confortáveis.
Obrigado mestra. É doce repetir o que a leitora ou o leitor viu dias antes: “Gonzaga não busca vieses teóricos e prima pela transitividade coloquial. Atemporal, reconstrói o passado, expressa o presente e inventa o futuro. Achando pouco surpreende-me naquilo que eu próprio custo a acreditar, a tentativa de “assegurar real e fantasia numa interpenetração de crônica-conto”.
Que posso querer mais? – volto a perguntar.