Washington Rocha é um dos mitos, se é que posso dizer assim, de minha juventude. Ginasiano no extinto Colégio Estadual do Roger na segu...

Boécio e Washington Rocha nos consolam

movimento estudantil
Washington Rocha é um dos mitos, se é que posso dizer assim, de minha juventude. Ginasiano no extinto Colégio Estadual do Roger na segunda metade dos anos 1960, não consigo dissociar aquela época da figura carismática do líder que, literalmente, com a força da palavra e do idealismo, levantava e inflamava multidões de jovens estudantes em históricas passeatas em favor da democracia, naqueles tempos de ditadura militar recentemente instalada no país. Ele também era jovem, praticamente da idade dos seus liderados, mas com esta diferença fundamental:
ele realmente se comprometera com a militância política, ao passo que a maioria dos que acompanhavam, de mais ou de menos perto, os protestos estudantis não tinha, na mesma intensidade e com a mesma constância, idêntico compromisso. Com o andar da vida, viu-se que o seu idealismo não era passageiro, coisa de jovem imaturo.Enquanto seus antigos contemporâneos das passeatas logo tomaram outros rumos, muitos se despindo, em maior ou menor grau, da juvenil generosidade, sonhadora e progressista, ele continuou o mesmo de outrora, doando-se diuturnamente aos interesses coletivos, muitas vezes esquecendo-se de si mesmo, como costumam fazer, certamente com imenso sacrifício pessoal, os verdadeiros visionários, no melhor sentido desta palavra.

O escritor — também perseguido pela ditadura — José Maria Rabêlo afirmou que “A opção política é antes de tudo uma opção moral”. Sim, de certa forma e em alguma medida, quase toda opção tem seu fundo moral, maior ou menor, conforme o caso. Mas não há dúvida de que, de todas as escolhas, a política é a que mais se relaciona com a moral. Aqui naturalmente tem muito pano para as mangas, em termos de debate político-filosófico. Não é o caso, portanto, de nos aprofundarmos agora na questão. O importante é ressaltar que certamente as opções políticas de Washington, ao longo de sua já extensa trajetória, foram sempre embebidas de ética, até porque ele em nada beneficiou-se pessoalmente das mesmas – muito pelo contrário, em vários casos.

Quando teve tempo para dedicar-se à sua própria formação acadêmica, Washington escolheu a Filosofia, área que tinha e tem tudo a ver com ele, em dois aspectos principais: lida apenas com as ideias e coloca, altruisticamente, os altos pensamentos a serviço da humanidade. Salvo alguns eleitos, como Pondé, Cortella e Karnal, por exemplo, ninguém, que eu saiba, ganha dinheiro filosofando, e ganhar dinheiro, significando a pura e simples acumulação de capital, ou seja, ficar simploriamente rico, é algo que não combina com o nosso ascético filósofo aldeão. Sua riqueza não é desse tipo tão banal, ao alcance de qualquer um, pelo menos em tese. E quem consegue imaginá-lo de paletó e gravata, como um executivo de empresa?

Seguindo com fidelidade o caminho que escolheu, Washington perdeu ou ganhou a vida? Acertou ou errou? Ninguém tem autoridade para responder a tais perguntas, salvo o próprio Washington,
que, ao que parece, faria tudo outra vez. É possível que ele simplesmente diga a quem lhe faça estas indagações as suaves palavras de Jesus: “...quem quiser salvar a sua vida, perde-la-á; mas quem perder sua vida por amor de mim, esse a salvará”. Para quem não sabe, nosso pensador é um assumido seguidor de Cristo, seu ponto de chegada (ou de partida, quem saberá?).

Como acontece com a maioria dos filósofos, ele também escreve, como forma de dar perenidade às suas ideias. Sabemos que a palavra escrita é a que fica e a falada o vento leva. De seus inúmeros discursos militantes, o que restou, exceto sua romântica imagem de revolucionário mobilizador de massas? Nessa linha, tem publicado trabalhos em que expõe pensamentos e recupera fatos e personagens, dando a sua versão dos acontecimentos que presenciou e viveu por mais de meio século. Seu testemunho tem, não há dúvida, grande valor para os historiadores presentes e futuros, pois foi - e continua sendo – alguém que subiu – e sobe - ao palco da vida e não um mero espectador na plateia.

Agora ele nos traz uma nova obra: Severino Boécio e A consolação da Filosofia (Editora Sal da Terra, João Pessoa, 2023), volume a que corajosamente deu o subtítulo de Um livro de autoajuda. Expliquemos: o filósofo romano com nome de nordestino de antigamente foi um político e pensador importante, que, condenado à morte pelo rei ostrogodo Teodorico, escreveu na prisão, para consolar-se de seu trágico destino, justamente a obra chamada de A Consolação da Filosofia, tornada um clássico no seu gênero. Em seu livro, escrito durante o período da pandemia do Covid 19, Washington, também para consolar-se e aos seus leitores, traça um rápido panorama filosófico, com informações voltadas para a superação de dificuldades existenciais de toda ordem,
Washington Rocha, no lançamento do livro Severino Boécio e A consolação da Filosofia.
a partir da lição de diversos pensadores. Daí a referência explícita à autoajuda, pois fornece elementos de reflexão que poderão eventualmente ajudar o leitor a ajudar-se. Do ponto de vista físico, o volume é magrinho como o autor (quem gosta de livro gordo?) e quanto à inteligência de seu conteúdo, também saiu ao pai. Não podia, pois, ser melhor, não é mesmo?

Se pensarmos bem, veremos que coragem é o que nunca faltou a Washington ao longo da vida. Coragem para, na juventude, protestar abertamente, com todos os riscos, contra a ditadura militar de direita e coragem para, já maduro, criticar o marxismo, contrariando boa parte da intelectualidade de esquerda. Coragem principalmente para ser e continuar sendo fiel a si mesmo, com todos os sacrifícios que isso implica. Coragem para ser o monge filósofo que é, verdadeiro anacoreta urbano, antes de tudo um solitário entre os homens, um pregador no deserto cheio de arranha-céus de nossa aldeia pagã e pecadora.

O livro de Washington/Boécio tem capacidade de ajudar a quem se dispuser a ser filosoficamente ajudado. Traz para o leitor informações valiosas, mesmo fora do contexto da autoajuda. Qualquer um pode, portanto, lê-lo com proveito. Através dele e de suas outras obras é que o sereno/inquieto autor se dirige aos seus semelhantes, desde que abandonou os agitados e gloriosos comícios e passeatas iniciadores de seu mito permanentemente em construção.

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  1. Anônimo7/8/23 15:02

    Obrigado, Marília, pelo comentário.

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  2. Anônimo9/8/23 13:14

    Prezado Washington, não há o que agradecer. O texto procura retratar, do meu ponto de vista, a realidade. Não há ficção. Há razão para sua vaidade? Claro que sim, pois a sua é de ordem intelectual e não mundana. Sua obra merece reconhecimento público, sua vida incluída. Parabéns. Paz e bem para você. Francisco Gil Messias.

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  3. Excelente artigo.
    Forte abraço.
    Bebeto

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