Certa vez, numa entrevista, perguntaram a Hebe Camargo se
ela tinha medo de morrer. Ela falou que não. O que sentia era pena de deixar de viver, porque havia muito ainda a ver e
a fazer.
É assim que tenho me sentido nos últimos tempos quando saio dos shows a que tenho assistido. Eu me coloco no lugar dos que, mesmo após os setenta, oitenta anos, conseguem se reinventar e continuam fazendo sucesso com os fãs do seu tempo e os de agora, pelo que podem significar para uma geração inteira de filhos e netos que não os conheceu à época deles, mas sabe que existem na memória dos pais e avós.
É assim que tenho me sentido nos últimos tempos quando saio dos shows a que tenho assistido. Eu me coloco no lugar dos que, mesmo após os setenta, oitenta anos, conseguem se reinventar e continuam fazendo sucesso com os fãs do seu tempo e os de agora, pelo que podem significar para uma geração inteira de filhos e netos que não os conheceu à época deles, mas sabe que existem na memória dos pais e avós.
Com muitas expectativas, compareci ao show de Caetano Veloso e seus filhos. Tudo muito harmônico e bem ensaiado, até a tentativa de sambar no palco. A estrela era Caetano, porém, em cada trecho específico do roteiro, um dos filhos ficava em destaque. Sonoridade, repertório, cenário, palavras de indignação, tudo perfeito.
No meio de uma “galera” ainda jovem, pude pular e cantar ao som das quarentonas Biquíni Cavadão e Capital Inicial, uma experiência ímpar para quem prefere ver shows em teatros, bem sentada, sem correr risco de ser pisoteada pelos roqueiros de plantão. Essa estratégia de um artista dividir o espaço cênico com outro tem sido muita usada em temporadas de escassez de público, mesmo para os mais reconhecidos.
Já neste ano, Gilberto Gil se apresentou acompanhado por filhos e netos. Que maravilha, que vitalidade, que coerência na escolha das músicas, mesclando, inclusive, composições de outros autores. Tempo-rei foi o auge, no sentido de ilustrar que o tempo nos ensina, que sempre há o que aprender e que o que se ensina é transmitido a quem vai nos suceder.
O Encontro dos Titãs foi o mais emblemático. Que coisa foi aquela! Um emocionante resgate do que eles viveram e representaram, com canções eternas e uma justa homenagem aos que se foram, como o ex-integrante, Marcelo Fromer, representado por sua filha, Alice; Erasmo Carlos, que trouxe para eles o grande sucesso É preciso saber viver ; e ainda a querida Rita Lee, rainha do rock brasileiro, sem sombras de dúvida. A qualidade da produção foi inquestionável. O telão foi atração à parte, assim como a performance de cada um deles mostrando sua individualidade, porém reafirmando a identidade quando em grupo.
Na sequência, a vez de conhecer de perto o Jota Quest. Que som! Que energia! Na minha humilde opinião, entretanto, o espetáculo pareceu meio esticado, repetitivo na dinâmica, com algumas músicas inteiramente instrumentais. Imagino que tenha sido uma estratégia usada enquanto Rogério Flausino precisava descansar das peripécias feitas no palco. O show teve altos e baixos, mas o final foi apoteótico, digno de marcar os 25 anos da banda.
Na semana passada, fui assistir a Alceu Valença e à orquestra Ouro Preto. Tive a sensação de que ambas as atrações fizeram muito esforço para se conter: o cantor, para se adequar à disciplina de uma orquestra, com seus naipes e partituras; e a orquestra, buscando a essência popular da música performática de Valença. Lá no fundo do palco, uma guitarra, um baixo e uma bateria davam o tom da musicalidade de Alceu, complementando arranjos com solos fenomenais, como os de Tropicana , só alcançados por uma guitarra muito bem tocada. O maestro foi uma figura à parte, saindo, de vez em quando, do papel sisudo, aquele que conduz tudo com uma batuta e olhares que dizem muito sobre o que se devia fazer em cada instante. Tudo com lapidar sintonia, nos três momentos distintos da apresentação: Alceu sendo Alceu, a orquestra sendo orquestra, em algumas canções só musicadas, e ambos sendo o Valencianas II.
Por fim, ontem, vi o show de Ney Matogrosso, no teatro Pedra do Reino. Ao término, estava encantada e, ao mesmo tempo, com uma sensação de estranhamento. Ele é um artista muito diferenciado. A interpretação, as danças, as performances, o figurino, a iluminação e as projeções de vídeo, tudo muito bem pensado para nos provocar e, quem sabe, até chocar. A voz continua a mesma, no entanto, ele consegue se reinventar nas músicas mais atuais e nos novos arranjos para as clássicas, como Sangue Latino e Pavão Misterioso .
Saí pensativa e imaginando o que eu faria se aquele fosse meu último dia de vida antes do mundo se acabar, como sinalizava a letra de Último dia, magistralmente cantada por Ney. Acho que, antes de me desesperar e ter pena por deixar minha existência sem concluir o que comecei, nem arquitetar um novo projeto, eu iria ver, outra vez, a apresentação surreal de ao menos um desses shows.