Enterrou seu filho, sua mãe e seu marido, entrou em casa e trancou a vida do lado de fora. Colocou o insulfilm mais escuro do mercado em suas janelas e fechou-as. O barulho das ondas, anunciando o incansável ciclo das marés, não penetrava aquele esquife, elas não podiam rivalizar com sua sede de passado. Na árvore genealógica de metal colocou as fotos de seus homens.
Quem visitasse aquela casa poderia entendê-la através daquela árvore. Sentou-se em sua cadeira e passou a cultivar sua árvore com a energia de sua saudade. Em três níveis daquele tronco metálico saiam galhos de onde pendiam as cabeças dos homens perdidos.
O primeiro galho trazia a imagem de seu filho primogênito, aquele que ela já havia deixado para trás, no esquecimento de seu passado de menina e, que ao saber de sua existência, veio buscá-la para lhe presentear com sua morte. A segunda imagem, a do filho do meio; aquele que ansiava por ser amado, mas que foi preterido pelo homem que ocupava também um lugar naquele galho. O terceiro e último homem daquele galho, seu marido em foto ainda jovem, sempre com aquele belo sorriso galanteador, representava a esperança de uma vida nova para aquela jovem operária, mãe de dois filhos, perdida em meio ao preconceito naquela São Paulo do final dos anos 50.
Com ele construiu enfim sua vida, uma família, e deixou para trás, pendurados naqueles primeiros galhos suas primeiras imagens, para quem sabe, no futuro-agora poder olhá-las com ar de sofrimento. Seguiu então seu caminho e novos galhos surgiram em sua árvore que, como ela, também envelhecia. Naqueles dois galhos, os dois homens de sua vida. Não que os demais não fossem importantes, prova era que pendiam nos galhos de sua existência. Mas para esses, tinha programado, mesmo que de forma inconsciente, algo especial e definitivo: eles seriam os alicerces para sua tranqüilidade. Mas quem pensa a vida assim, de forma tão inocente, vê a verdade como tragédia.
E foi assim que ela teve de colocar mais uma vez a foto de seu homem-marido naquela árvore... No dia em que eles comemoravam mais um ano de cumplicidade, ele calmamente, com aquele velho ar de quem está sem saber que está, fez a barba, sorriu e partiu para o fim absoluto nos braços de seu único filho.
Eis que surge então o último personagem de sua genealogia, o filho ambicionado, idealizado, sua semente definitiva. Mas aquele fruto não pôde ficar assim pendendo naquele galho à mercê de seus suspiros; como todo fruto, esse também partiu para buscar outras terras. Surgiu assim o último grande galho de sua árvore, forte, capaz de suportar o peso de sua maior perda. A foto daquele filho colocada assim, como se reinando, acima de todas as outras, é de um valor simbólico único, diria até psicanalítico; quantas mães não construiriam assim suas árvores, mas não ousaram fazê-lo?
Fica ela ali sentada, passando os dias a admirar retratos. Não importa que alguns daqueles homens, ali expostos, ainda estejam vivos, não importa... Afinal, eles não são mais o ideal desejado, o ideal está ali, exposto, na sua árvore de retratos.