Uma tábua molhada sustenta vários potes de plantinhas ornadas de pingos da recente chuva. Parecem enfeites líquidos sobre a vida ver...

Uma outra estação

chuva inverno lembranca infancia
Uma tábua molhada sustenta vários potes de plantinhas ornadas de pingos da recente chuva. Parecem enfeites líquidos sobre a vida verde. O mesmo desaguar deixa umedecido o dia, adentra com o vento ameno das frestas a casa e traz notícias de outra estação.

Os dias mais curtos chegam e deixam as ruas diferentes. As pessoas continuam apressadas, mas portam algo como que um semblante sério, sisudos rostos enquanto executam a difícil missão de equilibrar guarda-chuvas nas mãos e dançam ao desviarem das poças d´água.

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Para a criançada é mais uma estação de festa, um tempo de brincadeiras, agora molhadas. Feliz os que escapam da vigilância adulta e podem sapatear nas pequenas lagoas formadas pela chuvarada. Sorrisos pipocam dos rostos em que os pés mergulham no chão empoçado criado pelas calçadas desniveladas avolumadas pela bênção das chuvas. No campinho de terra batida, a mesma geometria torta das ruas produz açudes de felicidade, onde corpos ensopados disputam alegres a posse de uma bola que teima em prender-se na água acumulada.

Na praça, um ar de abandono, um afastamento das pessoas com a nova estação. A grama sempre úmida, os bancos de concreto molhados, os brinquedos e os equipamentos para exercícios físicos sempre encharcados.

O céu acinzentado, o horizonte em contínuo alerta de novos temporais. O Sol vive escondido e a Lua raramente dá uma olhadela por entre o manto da escuridão noturna. Nem raios, nem trovoadas, os dias e as noites se sucedem em chuvaradas, pancadas que se precipitam e cessam e retomam o processo num carrossel do brincante tempo. Uma nova estação que muda comportamentos. Para os cães é um convite para um cochilo mais remanchoso, um esticar de corpo mais vagaroso. O gato se encolhe e já vagueia menos pelos telhados, prefere o enxuto recanto dos terraços.

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Chuvas que surgem em sonhos, aguam em visões as memórias e os desejos. A nova estação também banha o interior. E mesmo toca o olho e respinga, corre pela face em inebriante sorriso.

Nos mares, as vagas oscilam em balanços de compasso demorado ou furiosas batidas no quebra-mar. Os rios estão mais caudalosos, talvez raivosos. No meio dos mato, nas urbanidades e mesmo nos desertos áridos, a água atravessa distâncias de cima a baixo, salta sem freio até colidir com copas de árvores, concretos prédios e a terra batida. Esta última talvez seja a melhor despedida de ser chuva e tornar-se algo novo, recomeço do ciclo, o princípio para uma outra chuva.

Nova estação de velhos tempos. Invernos já vividos, estacionados tempos dentro dos olhos, de para-brisas a abraçar pingos que atravessem galhos de pequenos arvoredos. E chuvaradas de contemplações pelo renovar da vida.

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