A metátese é a troca de sons no interior de uma palavra na mesma sílaba, como pregunta (por pergunta) semper (por sempre), por exemplo. Quando a troca de sons ocorre distante, na mesma palavra, em sílabas diferentes, como estrupo (por estupro) ou cardineta (por caderneta) ou entre palavras, como em transmimento de pensassão (por transmissão de pensamento), por exemplo, ela tem o nome de hipértese.
William A. Spooner (1844-1930) utilizou esse tipo de jogo de palavras em que a troca de sons resulta sempre em palavras existentes, como em “You have wasted two terms” (você desperdiçou dois trimestres) por “You have tasted two Worms” (você provou duas minhocas), ou como “Queer Dean” (Estranho deão) por “Deer Queen” (querida rainha). Por causa de Spooner, esse fenômeno tem em inglês o nome de spoonerism, em homenagem ao seu autor. Em francês, o spoonerism tem o nome de contrepèterie, como em “Trompez sonnettes” (Enganai campainhas) por “Sonnez, trompettes” (Soai, trombetas). Um maravilhoso exemplo de contrepèterie (que o autor chamou de antístrofe equivocadamente) nos veio do escritor Rabelais (1494-1553), autor de Gargantua: “Femme folle à la messe” (Mulher maluca na missa) e “Femme molle à la fesse” (Mulher de bumbum mole).
A antístrofe ou antimetábole (termo que o dicionário Aurélio não registra, embora mande o consulente consultá-lo no verbete antimetátese) é a mudança de sentido na repetição de palavras em ordem diversa, como em “trabalhar pra viver não é viver pra trabalhar”, “Usar as armas da inteligência é melhor que usar a inteligência das armas”, por exemplo.
No Brasil, a hipértese intervocabular mais extraordinária é de autoria de Millôr Fernandes, que a empregou na fábula “A Raposa e o Bode” (Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: José Álvaro, 1964, p. 133-4), de que aqui transcrevemos o título, o início e a moral: “A Baposa e o Rode. Por um asino do destar, uma rapiu caosa num pundo profoço do quir não consegual saiu. Um rode, passi por alando, algois tum detempo, vosa a rapendo, foi mordado pela curiosidido.” Moral: “Jamie confais em qua estade em dificuldém.”
Também Paulo Leminski usou a hipértese intervocabular no poema “Diversonagens suspersas”, que forma duas palavras palavras-cabide. Palavra-cabide ou palavra-chave ou portmanteau é a redução de um sequência de palavras numa só ou a fusão de partes de palavras diferentes, como bit, nome oriundo da expressão inglesa “binary digit”, ou como, na brincadeira infantil, rinocerafa para filhote de rinoceronte com girafa. No poema concreto do livro Caprichos e relaxos, Leminski joga com os sons do vocábulo metamorfose, a partir de materesmofo, passando por mesamorfeto, termoseforma e motormefase, entre outos falsos lexemas, até chegar a metamorfose (Melhores poemas. São Paulo: Global, 1996, p. 100)
Outro fenômeno de troca de sons tem o nome de heterofemia ou heterofasia, que consiste no uso de uma palavra por outra parecida, como “mexa a porca” (por fecha a porta), “rega a mata” (por pega a pata), por exemplo.
Ainda que seja sempre interessante o efeito desses processos lúdicos de troca de sons, é mais inteligente e surpreendente o seu uso, quando a versão hipertética mantém um sentido próprio, diferente do da frase original, como ocorria nas invenções do reverendo Spooner, merecidamente imortalizado em dicionários da língua inglesa.