Para falar a verdade, eu não estava interessado nisso. Pensava sobretudo nos dias livres que passaria entre banhos de rio, visitas ao curral, excursões em busca de passarinhos que eu alvejaria com a baladeira (hipótese que hoje me horroriza, mas ao menino daquele tempo parecia natural. Mesmo porque na época ninguém era punido por matar rolinhas, ribaçãs e outros bichinhos inocentes que cortavam o céu).
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Marlene era uma morena tímida e simpática. Por exigência da mãe usava cabelos curtos, vestidos muito longos, e só vestia branco. Essa era a cor que melhor se ajustava ao seu beatífico dom.
O melhor do sítio, para mim, era o curral. Acordávamos cedo e íamos ver os filhos de Seu Aníbal tirar leite das vacas. Quem melhor fazia isso, porém, não era nenhum dos dois. Era Solon, um rapaz que morava no sítio vizinho e frequentemente vinha dar uma mão à família. Por alguma habilidade especial, ele conseguia extrair mais leite do que os irmãos de Marlene. Seu Aníbal elogiava a maneira como o rapaz apertava as tetas das vacas, cujos úberes por assim dizer se abriam àquele experiente contato. O rapaz nascera mesmo com jeito.
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Vimos Marlene abrir muito os olhos, que se inundaram de luz, e contemplar um ponto distante. Estava um pouco vermelha e falou umas palavras que ninguém entendeu. Dona Adalgisa, chorando, segurava a mão da filha como se tivesse medo de que ela fosse deixar este mundo. A aparição durou uns três minutos, e não posso negar que saímos da capela impressionados.
De volta a casa, comentamos o assunto por uns dias. Até que ponto deveríamos levar a sério o que ocorrera naquele quarto? Teria de fato a moça algum dom superior, ou virtudes sobre-humanas que lhe conferiam alguma forma de santidade? Como era impossível responder essas perguntas, acabamos esquecendo-a. Uns quatro meses depois, veio do sítio a notícia: Marlene estava grávida. Grávida, sim, e o responsável era Solon. Rimos bastante da novidade, e mais ainda da surpresa que ela certamente causou a Dona Adalgisa.