Os desejos vitais de sobrevivência, a exemplo da fome, do medo e do sexo, influenciaram a criação da cultura e estimularam os sentimentos de afeto de uma comunidade. Segundo o psicanalista francês Jacques-Marie Émile Lacan (1901 – 1981), uma das causas desse processo é a angústia.
Lacan desenvolveu o tema entre 1962 e 1963. Trata-se do Seminário 10: A angústia. Sua tese foi fundamentada no argumento de que a angústia seja um afeto que não engana, que pertence ao real; é aquilo que se experimenta logo ao saber, ao estranhar, ao separar a imagem de si próprio da imagem do Outro. Os demais afetos decorreriam da angústia, seja de deformações desta, seja da intenção de fugir dela, ou ela mesma, como possibilidade. A angústia não resultaria da perda do objeto nem da falta do objeto, mas sim da presença do objeto, que é uma marca do real, do que não é possível simbolizar.
Afetos e sentimentos são consequências da capacidade humana de perceber tanto o mundo externo (percepção) quanto o interno (interocepção; função de avaliar a própria saúde para cuidar de si mesmo). Eles são traduzidos em imagens cerebrais, constituídas de informações capturadas por órgãos na detecção de diferentes sinais: visuais, auditivos, táteis, olfativos e gustativos. Porém, nenhum dos cinco sentidos produz sozinho uma descrição completa dos ambientes interno e externo, cabendo ao cérebro a função de integrar as várias informações, formando, então, uma imagem sinestésica de uma coisa ou evento.
Apesar de sua origem natural, relativa à vida do corpo humano no mundo, as emoções também são socialmente construídas. Seus processos fisiológicos servem-se de valores desenvolvidos pela cultura de cada sociedade para comunicar pensamentos e atitudes em meio aos membros de uma coletividade. Sentimentos de prazer e desprazer, que ocorrem permanentemente dentro do organismo humano, são classificados como ‘interocepção’ - originários de todas as sensações de órgãos e tecidos internos. Essas atividades produzem um conjunto de sentimentos vitais, que são os geradores das emoções, desde as mais simples até as mais complexas. Como exemplo, poder ser citadas as experiências de alegria e de tristeza, sobre as quais se tem um controle inconsistente. Consequentemente, a incompatibilidade e a tensão entre razão e emoção baliza um padrão de indivíduo razoável, submisso às normas de sua sociedade e conformado à realidade social de sua cultura. O padrão desse indivíduo, segundo as normas sociais, foi criado por leis artificiais aprovadas por acordo legislativo — embora não exista um ser humano consensual. Existe o imperativo que define o modo que o indivíduo deve agir em sociedade, e haverá uma punição se ele não se conformar.
Quando tentam compreender a diversidade do comportamento humano, os psicólogos e os economistas, geralmente, percebem que o cérebro humano contém dois processos distintos: um é imediato, reativo, impulsivo e age de forma inconsciente; o outro é lento, crítico, sistemático, lógico e consciente. Essas diferenças produzem o conflito, que pode ser estudado por dois processos complexos, pelo sistema emocional; o outro pelo sistema racional. De modo geral, o racional analisa os objetos do mundo exterior, enquanto o emocional examina os estados internos.
O sistema emocional busca priorizar as possíveis ações a serem realizadas no mundo exterior. As atitudes surgem do diálogo interno e buscam resolver os desafios de maneira antecipada, inovadora e autônoma. São emoções que impulsionam o sentido de existir. As quantidades observáveis das intencionalidades humana, em forma de pulsão do inconsciente, geralmente influenciam uma argumentação. Assim, a consciência elabora e direciona novas decisões quando algo dá errado, para resolver o conflito, permitindo um comportamento flexível diante da obediência aos imperativos das leis ou das regras de uma cultura, bem como das tradições, crenças e costumes de determinado grupo social.
A angústia faz parte da condição humana. Em geral, o indivíduo se preocupa com a sua causa, a fim de conviver com ela ou de afastá-la. Diante da indeterminação da vida e da necessidade de uma construção da realidade externa, a angústia influencia o sentido de liberdade quando é necessário fazer escolhas e, ao mesmo tempo, reconhecer a própria responsabilidade e suas implicações perante a existência. A busca de autorrealização é um processo de sofrimento existencial, em que se procura encontrar sentidos, enquanto se convive com as angústias. Esse conflito é vital à existência, porque afirma que o ser humano está em contínua evolução e deve assumir o risco e a responsabilidade de suas escolhas. A forma de sublimar esse mal-estar é reconhecer que viver alienado não cria pertencimento nem dignidade, pois a angústia é o agente propulsor que nos motiva a encontrar razões de ser e agir. Com essa conduta, é possível transformar a angústia em afeto. A angústia indica que algo precisa mudar.
Os sentimentos de angústia — com resiliência — podem construir belos projetos de vida. Quando se conecta a outros indivíduos com empatia, através do amadurecimento da consciência individual para uma consciência coletiva, aprende-se a amar a si mesmo e ao outro.