Vizinha melhor do que Dona Zefinha ainda não nasceu. Prestativa, sempre trazia no coração aquele sentimento digno de apreço e consideração.
— Sempre que precisarem estou por aqui – era sempre assim, disponível às eventualidades que surgissem – Precisou é só chamar, viu?
Discreta, não se ocupava em saber de outras vidas que não a sua e de suas meninotas criadas com carinho e rigor.
— Sempre que precisarem estou por aqui – era sempre assim, disponível às eventualidades que surgissem – Precisou é só chamar, viu?
Discreta, não se ocupava em saber de outras vidas que não a sua e de suas meninotas criadas com carinho e rigor.
— Filha mulher a gente tem que educar e depois ficar de olho, ainda mais quando já estão mocinhas.
Soraia e Sofia já estavam mocinhas, mais do que podia supor Dona Zefinha de suas duas gêmeas já fincadas nos dezenove. Soraia, mais tímida e reservada, Já Sofia…
Quando eu viajava, deixava as chaves de minha casa com Dona Zefinha. Era uma garantia que quando do meu regresso eu não seria surpreendido com situações desagradáveis.
— Pode deixar que eu fico de olho – dizia ela.
E não só ficava de olho, molhava as plantas, não deixava faltar água nem ração para o meu cachorro, acendia a luz da varanda ao anoitecer e recolhia a correspondência. Tudo isso com muita regularidade e disciplina.
Viúva, mais perto de que longe dos setenta, mas fazia tempos que fincava pé nos cinquenta e cinco e jogava tinta nos cabelos para esconder aquilo que as marcas no rosto teimavam em denunciar. Sofia, a filha mais danada, me confidenciou dias atrás que Dona Zefinha está ancorada nos sessenta e sete desde setembro do ano passado.
Meu relacionamento com essas vizinhas era muito cortês e discreto de minha parte, mais efusivo e solidário por parte delas. Até que um dia Sofia apareceu trazendo no colo a grande novidade.
— Olha só o que minha mãe ganhou! Não é muito fofo?
Era um, digamos, vira-latas, muito serelepe. Branco com manchinhas pretas distribuídas aleatoriamente na pelagem. Ainda novinho, mas prometia não crescer muito. Como Sofia queria saber os procedimentos a serem adotados, expliquei sobre as vacinas, tipos de ração, higiene e como disciplinar o totó na intenção de que ele fizesse suas necessidades em um lugar apropriado e escolhido para essa finalidade. Mas, Sofia queria mais.
— Que nome dou a ele? Gostaria muito que fosse um nome estrangeiro.
Fiquei lá com os meus botões. Estrangeiro, tipo o quê? Nome de gente? Winston Churchill? Mahatma Gandhi? Claro que não, talvez um mais singelo …
— Que tal, Joli? - quer dizer “bonito”. Vai ter um nome francês. Gostou?
Sofia gostou. Soraia e Dona Zezinha provavelmente também. E com esse nome o danadinho ficou. Joli foi se mostrando muito esperto e fazia a alegria de minhas vizinhas. Foi alçado à condição de “homem da casa”, tanto carinho e deferência que recebia.
— Vamos ensinar um monte de truques a ele – comunicou-me Sofia – minha mãe já começou. Ele já aprendeu até a dar as patinhas.
Alguns meses depois, Dona Zefinha chamou-me ao portão.
— Vamos entrar. Não se acanhe. Aceita um cafezinho bem forte do jeito que sei que o senhor gosta?
Não me acanhei, entrei e tomei o cafezinho do jeito que eu gostava, bem forte. A razão do convite era mostrar os truques que Joli havia aprendido e como as três estavam entusiasmadas! “Dá a pata”. E Joli dava a pata. Senta! E Joli sentava. “Morto”. E Joli se fazia de morto, imóvel como uma pedra. “De pé”. E Joli ficava em pé sustentado pelas patas traseiras e andava que até parecia gente. “Late para ele”. E Joli latia para mim com tanta determinação que pensei até que iria me morder. “Quieto”. E Joli ficava quietinho, mudo. Finda a performance do “artista” confessei minha admiração e fiz elogios à esperteza de Joli.
— O segredo é a repetição! – confessou Dona Zefinha e confirmou sua tese – Re-pe-ti-ção!
Nem um mês depois, Sofia me apareceu aborrecida com Joli. Ele estava com a mania de fazer cocô no tapete da sala.
— Mas minha mãe vai dar um jeito dele não fazer mais isso. Passados uns dias me encontrei com Sofia e perguntei se Joli aprendera a fazer suas necessidades no lugar certo.
— Não – e me explicou o que estava acontecendo - toda vez que ele fazia cocô no tapete, minha mãe esfregava o focinho dele no cocô para ele aprender.
— E?
— E? E agora? Agora, assim que ele faz o cocô no tapete, ele mesmo, por conta própria, esfrega o focinho no cocô e olha pra gente todo feliz.
Não contive um sorriso e pensei lá com meus botões: Viu só, Dona Zefina? O segredo é a repetição.