O ludismo exerce um importante papel no exercício da expressão verbal, desde o instante em que se faz a manipulação livre dos fonemas, até quando é considerado o efeito da polissemia das palavras, colaborando para ambiguidade como instrumento dessa investigação linguística que a criança necessita como forma de explorar também o mundo. Ela altera partes das palavras para experimentar, utiliza-se de abstrações à procura do concreto. Joga com as palavras, transformando-as para conhecer o quanto de força argumentativa/retórica elas possuem.
A estrutura é estabelecida, como num jogo, por regras de versificação, que encontra no espaço da representação do verso, do ritmo e da ordem, a harmonia veiculada por uma linguagem metafórica.
A ordenação rítmica ou simétrica da linguagem, a acentuação eficaz pela rima ou pela assonância, o disfarce deliberado de sentido, a construção sutil e artificial das frases, tudo isto poderia constituir-se em manifestações do espírito lúdico.
HUIZINGA, 2001, p. 134
Ainda, conforme Huizinga, nota-se que um dos aspectos mais importantes do jogo verbal é o seu deslocamento do mundo poético em relação ao cotidiano. O material, ainda que reservado ideologicamente da vida cotidiana, mantém validade com as regras do jogo. Não se trata de uma imposição. O homem escolhe voluntariamente jogar, ainda que saiba que estará restrito a normas, causando-lhe tensão e alívio.A ordenação rítmica ou simétrica da linguagem, a acentuação eficaz pela rima ou pela assonância, o disfarce deliberado de sentido, a construção sutil e artificial das frases, tudo isto poderia constituir-se em manifestações do espírito lúdico.
HUIZINGA, 2001, p. 134
E, na realidade, a poiesis é uma função lúdica. Ela exerce no interior da região lúdica do espírito, num mundo próprio para ela criada pelo espírito, no qual as coisas possuem uma fisionomia inteiramente diferente da que apresentam na “vida comum”, e estão ligadas por relações diferentes das da lógica e da causalidade. Se a seriedade só pudesse ser concebida nos termos da vida real, a poesia jamais poderia elevar-se ao nível da seriedade.
HUIZINGA, 2001, p. 133
E por que será que as crianças se submetem ao jogo de palavras? Responder que é por causa da beleza das palavras, ou do sentimento que lhes causam, tende-se a cair no subjetivismo. Porém, se é aferido que é uma necessidade social, afinal ninguém produz o jogo para um nada, provavelmente encontra-se uma justificativa plausível. Prova disto é que a poesia, os trava-línguas, as adivinhas e as cirandas só fazem sentido se forem compartilhados, na medida em que são exercidos em rituais e em caráter festivo, como afirma o autor de Homo Ludens, daí então atuarão como divertimento, persuasão e competição.HUIZINGA, 2001, p. 133
Entretanto, em se tratando de conteúdo do texto poético, um dos primeiros aspectos a ser observados pela criança certamente será se contém aspectos moralizantes. Ninguém gosta de ser repreendido. Além disso, não cabe à criança uma imposição para que ela se configure uma patriota. Assume-se, então, que não deve ser a poesia infantil um espaço para didatismos, porque provavelmente o leitor não se identificará.
Para além de qualquer intenção específica que a poesia possa ter, (...) há sempre comunicação de alguma nova experiência, ou uma nova compreensão do familiar, ou a expressão de algo que experimentamos e para o que não temos palavras – o que amplia nossa consciência ou apura nossa sensibilidade.
ELIOT, 1991. p. 29
ELIOT, 1991. p. 29
O que faz a criança bem recepcionar o texto será o lúdico porque é por meio deste que o leitor atuará para construção de signos. O ludismo visa isto: significados. Não é possível dissociar o imaginário, particularmente, durante a tenra infância. É nessa fase da vida que necessitamos antecipar os poucos, mas diversos conhecimentos para investigarmos a realidade que nos circunda.
Tal como se descreve nos estudos sobre ludicidade, através do jogo, elas atuam no real e no faz-de-conta, aproveitando, de cada um deles, elementos para novamente se voltar para o mundo, pesquisando respostas para suas necessidades.
GEBARA, 2002, p. 35-36
O contato com a poesia é importante para que a criança transcenda suas próprias construções de mundo para o aperfeiçoamento de suas percepções. Por meio dos jogos de linguagem conscientiza-se de que a língua é rica, cheia de possibilidades comunicativas e que podemos brincar com sua construção sintática, semântica e fonêmica.GEBARA, 2002, p. 35-36
Para a criança, a linguagem e o conhecimento progressivo desta fazem parte de sua vontade biológica de entrar no mundo dos adultos, de descobrir as chaves que o abrem. É graças às palavras, às imagens e às metáforas que o futuro adulto se sentirá verdadeiramente membro do universo dos adultos, é através das palavras que ele se apercebe das grandes correntes de comunicação e participa numa cultura que é sua e na mitologia de seu grupo social.
COSEM, 1980, p. 52
A prosa é um texto mais fechado para a criança. A poesia, pelo contrário, mesmo com suas abstrações, está em contato mais direto porque envolve mais constantemente o acesso ao imaginário.COSEM, 1980, p. 52
A poesia é um texto sintético, porque procura traduzir um estado de alma, a apreensão momentânea da realidade ou um breve momento de consciência sobre o mundo. É um texto que se presta mais a ler e ouvir sem comentários, deixando que sua musicalidade e seu sentido penetrem no cérebro infantil, ativando nele o imaginário. Por sua característica musical (manifesta no ritmo, na sonoridade das rimas), precisa, por vezes, ser oralizado, para que essas características aflorem com maior clareza.
COSTA, 2009. p. 201
Como os poemas geralmente são bastante musicais, a consciência dessa musicalidade se evidencia mais quando pronunciamos em voz alta os fonemas. Quanto à temática, qualquer assunto pode ser desenvolvido, no tocante ao interesse do leitor, a depender, evidentemente, de como é abordado o assunto. Cabe ao escritor e ao mediador do texto apresentá-lo com clareza e respeitar o processo de desenvolvimento emocional e intelectual daquele que lê. COSTA, 2009. p. 201
Poesia para crianças é poesia com igual qualidade da poesia de adulto, porém com a função lúdica em primeiro plano. O que quer dizer função lúdica? Função significa para que serve, foi escrita com qual objetivo. Lúdica vem de jogo, brincadeira, coisa que desperta prazer misturado com alegria. Poesia é jogo de palavras. Poesia é brincar com as palavras, com o sentido delas, com as rimas, aliterações, assonâncias, onomatopeias e repetições, com a pontuação livre, permitindo leituras expressivas e criativas.
Poesia é brincar com os sons das palavras, com a música, o ritmo e a harmonia que as palavras têm, para soarem gostosamente nos ouvidos. Poesia é um apelo visual, sendo importante a disposição gráfica em versos e estrofes, os espaços em branco para se respirar, o realce de certas palavras.
Poesia infantil é uma brincadeira com os vários sentidos das palavras, o trocadilho, a ação dinâmica das palavras em movimento, a simbologia das palavras, das imagens poéticas, das metáforas e outras figuras de linguagem. A poesia procura dizer o que já foi dito em uma linguagem sempre nova, imprevisível.
A poesia não seria nada se fosse só som, só visual e imagens poéticas. Ela tem de dizer algo ao leitor, contar uma história, descrever alguém ou alguma coisa, passar ideias – aqui entra a força da ação dinâmica, do humor, das sacadas inteligentes, da novidade do que se vai dizer.
ELIAS, 2003, p. 85-86
Poesia infantil é uma brincadeira com os vários sentidos das palavras, o trocadilho, a ação dinâmica das palavras em movimento, a simbologia das palavras, das imagens poéticas, das metáforas e outras figuras de linguagem. A poesia procura dizer o que já foi dito em uma linguagem sempre nova, imprevisível.
A poesia não seria nada se fosse só som, só visual e imagens poéticas. Ela tem de dizer algo ao leitor, contar uma história, descrever alguém ou alguma coisa, passar ideias – aqui entra a força da ação dinâmica, do humor, das sacadas inteligentes, da novidade do que se vai dizer.
ELIAS, 2003, p. 85-86
A experiência com a função poética da linguagem inicia-se desde cedo com as cantigas de ninar, cantigas de roda, as parlendas e os trava-línguas (jogos verbais que desafiam a pronunciar palavras difíceis o mais rápido possível, de maneira sequenciada). A motivação lúdica com a língua é significativa porque é constituinte da educação da sensibilidade verbal, por isso que se insiste com o gênero poesia que é o tipo de texto mais rico para promover a educação verbal, e por isso mesmo o mais delicado de se trabalhar, pois segundo Paes (1996), a tendência da poesia é atrair a atenção da criança de forma a surpreendê-la diante da linguagem usual, aquela pela qual a criança se expressa diariamente, o tempo todo. O leitor, quando se depara com uma rima, é obrigado a voltar atrás, o que não costuma ocorrer na prosa. É preciso que ele retome o verso para conferir o que ficou para trás. Dessa forma, a leitura é desautomatizada, e a atenção da leitura se centrará no conjunto de significados presentes no texto.
Na elaboração de uma frase poética, no desenvolvimento de um tema, na expressão de um estado de espírito há sempre a intervenção de um elemento lúdico. Seja no mito ou na lírica, no drama ou na epopeia, nas lendas de um passado remoto ou num romance moderno, a finalidade do escritor, consciente ou inconsciente, é criar uma tensão que “encante” o leitor e o mantenha enfeitiçado.
HUIZINGA, 2001, p. 148
A aproximação estreita entre poesia e jogo é outro aspecto fundamental do gênero. Essa ligação, observada por Huizinga (2001), desde os primórdios tem como nascedouro da atividade poética o jogo sagrado, sempre marcada pela alegria e pela diversão. Depois, a poesia expande-se aos jogos do relacionamento amoroso, na competição, na profecia, até se destacar em todos os âmbitos.HUIZINGA, 2001, p. 148
Então é possível afirmar que a poesia está presente em tudo a partir do momento em que a abstração se interpõe – do sagrado ao profano; do erudito ao popular. Eis que a metáfora é fundamental para traduzir por meio da linguagem poética o que a linguagem objetiva, contraditoriamente, não consegue exprimir. É por isso que a metáfora é tão assídua na comunicação da criança. Ela a utiliza para materializar na língua o que ela não consegue apreender, denotativamente, do mundo. Se há metáfora, há jogo, porque é a tentativa de manter a cooperação com o mundo; se há jogo, o lúdico está presente.