O velho?
Um dia já foi feto
nadando no oceano de amor
chamado mãe.
um dia já foi rosa
desabrochando aos olhos da parteira,
aparado pela sabedoria ancestral
um dia já foi criança
ensaiando os primeiros passos
emitindo os primeiros sons
choro, como sinal de que algo o incomodava
ou quando se sentia solitário e cobrava
a presença de seus cuidadores
ou mesmo quando seu corpinho ardia
com os ferretes da urina ácida.
O velho?
Um dia já foi a alegria,
o sol e as estrelas
para aqueles entes que o amavam
além da vida
já foi a esperança a acenar
para os combalidos nas lutas cotidianas.
Um dia já foi o anjo protetor de seus genitores
evitando que estes, acossados pelo desespero
fossem jogados nos despenhadeiros
dos vícios aniquiladores
ou do autocídio enganoso.
O velho?
Hoje é jogado nas edículas
físicas e/ou sentimentais
daqueles que pensam viver
o momento de glória e de prazer.
sem tempo para o exercício da gratidão.
Esses olvidam que se o anjo da morte
não vier lhes salvar da egolatria
em que chafurdam
em breve tempo também serão relegados
aos cantinhos escuros
e casas de repouso
sem a visita carinhosa
de seus anteriores afetos.
Procurei-te entre as nove horas
elas felizes me sorriram alegremente
consegui esquecer por alguns instantes
a triste tarde em que partistes de repente…
Procurei entre o gramado dessa praia
tuas palavras, teu sorriso teus repentes
a alegria com que contagiavas
os tristes dias, do passado inconsciente
em que fugia do amor, com medo e pânico
não entendia a importância da entrega
só conhecia o meu corpo esquizoide
na rigidez em que ficava com o encontro
E procurei entre as letras de Bukowski,
algum sinal de minha infância no presente
só encontrei o imaginário em naufrágio
e a letargia de meu corpo decadente
E retornei ao meu cantinho, ao meu quarto
com a esperança do retorno para o ventre
da nobre fêmea que um dia me abrigava
e protegia das agruras de minha mente.
São João já foi diferente
vizinhos ao redor da fogueira
madrinhas e afilhados
pulando o fogo em brasa
As ruas todas enfeitadas
com bandeiras coloridas
correntinhas de papel
balões e lanternas lindas
recitais do bom cordel
os trios de sanfoneiros
crianças com roupas de chita
soltando traques, chuveiros
Boas conversas no alpendre
milho assado, carne seca
as pamonhas na peneira
para escorrer a água
a canjica fumegava
nos fogões de nossas casas
Na fazenda dos amigos
leite fresco, bode assado
queijo de coalho, na brasa
e a buchada esperada
Crianças em carros de boi
comigo juntando lenha
nos pastos, o gado tranquilo
era o melhor da fazenda
Mais tarde um passeio à cavalo
sem cela, toda empinada
ainda hoje me lembro
da alegria e gargalhada.
Quanta lembrança do tempo
sem dinheiro corrompendo
a tradição e folguedo
que há muito, vínhamos mantendo
São João acorda ligeiro
socorre-nos desse veneno!