Puxa-saco de neto... Perdi a conta das vezes em que ouvi isso da minha mulher, da nora e dos três filhos. Assumo: sou mesmo, minhas e meus camaradas. E capricho na bajulação.
Pois bem, estávamos eu e ele sozinhos, em casa, quando me veio a pergunta: “Você traz um lanche para mim?”. Larguei o computador e corri à cozinha. Encontrei muçarela e iogurte na geladeira, mas não havia pães no armário, nem os de padaria nem os de supermercado, em fatias quadradas. Fazê-los levaria, quando menos, duas horas. Quaisquer que fossem, me serviriam ao preparo de um sanduíche. Então, o jeito foi me haver com um pacote de Biscoitos Maria.
Montei três camadas e, temendo a recusa, tratei de sofisticar o prato. Cortei as pontas quadradas do queijo deixando tudo arredondado. Três porções num total de nove biscoitos redondinhos, redondinhos.
Bandeja em punho, fui recebido na sala por um mocinho visivelmente desolado. “É isso?”. Fingi o espanto que não sentia, porquanto já pressentia a rejeição. “Como assim? Isso é comida de lordes, meu amigo. É invenção dos ingleses”.
E passei a contar a história por mim conhecida de uma dessas publicações com cara e sabor dos anuários de antigamente, dos velhos almanaques com suas curiosidades, anedotas, poemas e trechos literários para encantamento dos nossos pais e avós.
“Você pode, também, chamar bolacha. Eu prefiro biscoito. Fique sabendo que o Biscoito Maria tem esse nome no mundo inteiro desde que foi inventado por um confeiteiro da Inglaterra para o casamento do Duque de Edimburgo com a Duquesa Maria Alexandrovna, russinha da silva. Percebeu a homenagem?”, indaguei.
É isso, de fato, o que relata qualquer informe acerca do tema, seja um artigo impresso, sejam textos e vídeos difundidos, hoje em dia, por obra e graça da Internet. Curiosamente, esse biscoitinho não se fez tão popular entre os ingleses quanto aceito se tornou em grande parte do mundo, Portugal, Espanha e Brasil no meio.
Há pouco advindo do décimo aniversário, Miguel, bem atento à nossa conversa, arriscou uma mordida. Tive durante três anos o convívio diário com esse camaradinha. Saiu da maternidade para a companhia dos avós paternos, em razão de haver o pai assumido o cargo de professor de Biologia da Universidade Federal de Campina Grande. Sugeri ao meu primogênito que sua mulher e filho ficassem comigo e dona Miriam até que, estabelecido profissionalmente, pudesse ele adquirir a própria casa. E assim foi feito.
Permitam tamanha aproximação a um avô e seu neto e vocês se surpreenderão. Miguelzinho já conhecia o alfabeto com menos de dois anos de idade e lia palavras inteiras antes dos três. Gravei dois pequenos vídeos a fim de me livrar da pecha de mentiroso que então me impunha um amigo: “Avô coruja. Até mentir, mente”.
Meu único neto sempre foi doido por uma boa história. Porém, agora, aos dez anos, despreza as que não tenham um fundo de verdade. Afinal, foram-se os dias em que se deixava iludir por bruxas e fadas. Foi-se, para ele, o tempo em que os bichos falavam. Agora, sempre requer o plausível, o provável, o concreto.
Torna-se cada vez mais difícil, todavia, ainda consigo entretê-lo a fim de que aceite o que, inicialmente, rejeite. Ao cabo da história do biscoito, havia comido todos. Febril, meses atrás, raspou um prato de papa de Maizena que a mãe e a avó não conseguiam fazer com que comesse. Papou tudo quando teve a atenção desperta para os índios Sioux, no rótulo da caixa amarela. Ali, as mulheres cuidam do preparo da farinha de milho enquanto um guerreiro de olhar fixo no horizonte está pronto para o alarme ao mínimo sinal de aproximação da cavalaria. Contem a história desse jeito e qualquer neto come papa.
Sem negarem que fui e ainda sou um bom pai, meus três filhos adultos costumam observar que, em relação a eles, eu não era tão paciente, tão cúmplice, tão permissivo. Réu confesso, respondo: “Era não”. Mas sempre haverá tempo para o reparo de uma ou outra falta. Parem com este ciúme besta e ouçam essa história, rapazes.
Por que maizena? Pois bem, vem de maiz, nome para o milho copiado dos povos nativos pelos conquistadores espanhóis. E foi termo também tomado por Wright Duryea, o sujeito que, em 1854, iniciou nos Estados Unidos o fabrico do produto cuja embalagem o tempo quase não mudou.
Mas, antes que vocês comecem a lamber os beiços ante a lembrança de mingaus, biscoitos e bolos, saibam que, a princípio, a função desse pó branco e fino era servir de goma para tecido. Tempo depois, é que isso iria às cozinhas de todo o mundo.
Esse mesmo produto chegava em sacos ao Brasil, em 1874, para a venda a granel nas bodegas de então. Em 1930, a Refinações de Milho Brasil – empresa que se instalava em São Paulo após acordo com o engenheiro norte-americano L. E. Miner – iniciava o fabrico franqueado do amido de milho, tal como até hoje o conhecemos.
Muitos meninos da minha geração, clientela cativa dos faroestes, passavam um tempão a contemplar a cena que descrevi a Miguelzinho. Antevíamos, assim, o momento do tiroteio no cinema. Apenas mais tarde, sabedores de umas tantas coisas, é que passamos a torcer pelos índios na briga contra a cavalaria. Mas essa é outra história. Satisfeitos?