Vou preservar a identidade do meu interlocutor, um engenheiro espanhol desembarcado em João Pessoa no começo da década de 1970 a serviço daquela fábrica do Distrito Industrial hoje mais conhecida pela produção de sacaria, bobinas e caixas para embalagem de artigos fabris e comerciais. Digamos que se chame Juan.
Pois bem, naqueles idos, ele se surpreendia com os olhares insistentes de uma loura belíssima sentada à mesa próxima da sua, no Elite Bar. Falo do restaurante que existiu no ponto onde a Praia de Tambaú mistura suas ondas com as de Manaíra.
Juan pediu ao garçom a suspensão do prato já solicitado, uma dose de conhaque e informações sobre a moça. Ninguém a conhecia. Era, sem dúvida, uma turista em sua primeira visita ao lugar.
A terceira dose deu a coragem da qual nosso galã precisava para abordar aquela deusa. Ela o recebeu com um sorriso largo, um abraço e a pergunta que o fez congelar dos pés à cabeça: “Como vai Cristina?”. Sim, Cristina, a brasileira com quem Juan havia casado no Paraná, de onde ele próprio e a loura provinham. Ela estava no segundo dia de visita a João Pessoa e ele aqui radicado até a conclusão do projeto de expansão da fábrica que o contratara.
Não há quem não se perceba esquecido por alguém que reveja anos depois do primeiro contato. E isso, naturalmente, ocorreu à moça. “Noto que ele não se lembra de mim”, comentou com a amiga a seu lado e logo apresentada a um camarada sem jeito e sem chão.
A loura reavivou-lhe a memória. Os dois já haviam estado juntos no aniversário de um amigo em comum, em Curitiba. Ela e Cristina conheciam-se do portão e das reuniões da escola onde os filhos pequenos estudavam. Na dita festa, meia garrafa de uísque embotara os sentidos de um Juan, agora, extremamente envergonhado. Foi a explicação que teve para o lapso de memória. Afinal, fosse a moça um produto embalado em caixas que sua fábrica produzia para o Nordeste inteiro traria no rótulo, em letras graúdas, o aviso: “Inesquecível”.
Quanto a mim, lembro muito do que dele ouvi no pátio da Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil, empreendimento tão gigantesco que deu origem ao município de Telêmaco Borba.
Eu acompanhava, na ocasião, um pequeno grupo de jornalistas ali desembarcado a convite de Armando, um dos donos da fábrica e então pré-candidato ao Senado pela Paraíba. Era época na qual o empresariado estimulava o lançamento de candidaturas à Assembleia Nacional Constituinte da qual surgiria a Carta Magna de 1988. O propósito era conter a expansão dos partidos de Centro-Esquerda e suas propostas ao projeto de reforma constitucional. Não era, Dr. Ulysses? Pois bem, a Autolatina apostou mais alto e elegeu o campinense Raymundo Lyra. Armando Klabin desistiu da empreitada sem sobressaltos, quero crer, porquanto a causa já estaria em boas mãos.
Era época, também, das explosões do dólar, fenômeno que alarmava grandes, médios e pequenos veículos da imprensa brasileira cujas oficinas dependiam, sobretudo, da importação de papel e filmes. Perguntei por que a Klabin não ajudava a suprir o mercado interno e a resposta de alguém me surpreendeu: “Não queremos o governo aqui dentro”. Eu havia esquecido de que o papel-jornal mal deixara de sair da mira dos generais.
Tenho cá, também, meus lapsos, meu caro Juan. Não lembro se os colegas Rubens Nóbrega e Carmélio Reynaldo estavam conosco à mesa do Gambrinus onde outro Armando, o primo pobre, sentou-se com o primo rico interessadíssimo no Senado e no contato com as Redações.
Foi ali onde recebemos o convite para conhecer a impressionante indústria de papel Klabin. Exatamente, ali, a poucos passos do local onde funcionou o extinto Elite Bar, ponto do reencontro embaraçoso do nosso espanhol com a loura dos seus sonhos.