Faz tempo, muito tempo, que não leio o céu com esse nome. Foi como aprendi a chamar a abóbada celeste que cobria de luz ou de estrelas o sítio lá de casa.
Era assim que ouvia de minha mãe, não com o céu amojado de chuva a castigar a lama do brejo ou dos mangues, mas com o amplo e infinito céu bem aberto, pleno de claridade, em condições de acolher todos os sonhos ou esperanças.
Era assim que ouvia de minha mãe, não com o céu amojado de chuva a castigar a lama do brejo ou dos mangues, mas com o amplo e infinito céu bem aberto, pleno de claridade, em condições de acolher todos os sonhos ou esperanças.
É mais que sabido vir a linguagem do meio, associada ao tempo. E no ambiente em que minha mãe foi criada, educada numa casa de leitoras do Evangelho, privada da convivência externa e da linguagem livre e sem peias, só reinava o que podia agradar ou ser escrito.
Quem era o preceptor geral desses falares? A irmã superiora? O padre Antunes? Eram os nomes de referência citados sempre que necessário. O padre mestre, a superiora e algumas vezes um Dr. Laudelino, suponho que juiz.
Já moça, fazendo parte do coro da igreja-matriz, única escapada rápida do claustro em que fora internada, conheceu moças e um ou outro rapaz como corista, mas nada além dessa circunstância. Nada que pudesse infringir o rigor da sua educação ou comportamento. E se influísse seria para melhor, a julgar pelos nomes que constavam de suas boas lembranças: Piinha, aos seus olhos a mais educada e bonita de todas, futura esposa de um Romero, avó do nosso Germano; Ana Borges, irmã do seminarista que viria a ser pároco de Alagoa Nova por toda sua vida, o grande pregador José Borges de Carvalho; as Assunção, ainda que parte delas se ligasse ao espiritismo; José Saldanha, que namorava com o coro, mas longe dele, por ser boêmio e poeta.
No meio rural, convivendo com moradoras e moradores, casada com um dono de engenho que não sabia ler, D. Antonina não cedeu ao mais vulgar e jamais ao chulo, sem deixar de se fazer compreender e de influir.
Havia pudor nas palavras. Muitas vezes não era palavra feia, nada imoral, mas imprópria ou desrespeitosa.
As vizinhas de sítio estavam com ela, na frente da casa e da capela, na hora em que despenquei mangueira abaixo quando a noite irrompeu, fechando o mundo às 9 da manhã, no eclipse de 1942. Corri apavorado, cheguei de bucho ralado e gritei ao me acudirem: “Lasquei-me!”.
- Não diga essa palavra! Ralou-se, feriu-se. Essa palavra é indecente!
“Indecente, o que é indecente?” – eu quis perguntar. Com o tempo e a ajuda bem depois das pesquisas de Aurélio Buarque, descobri que ela queria dizer desagradável. O rigor como buscava o sentido da palavra levava-a a considerar o impróprio ou o desagradável uma indecência. Gritou ao me ouvir dizer que não tinha lavado o sovaco. / “Sovaco quem tem é macaco. Você tem axila ou cova do braço”.
Vem de D. Antonina, de bem longe, pois, essa minha busca ou esses meus receios de expressão. O firmamento que ela descortinava no céu de nuvens bem azuis e que cheguei a rever em José Américo ao descrever o céu de Monteiro, vi muito bem numa manhã de sol pleno, sem nuvens nem cirros de chuva, no meu Expedicionários.