João Batista de Brito, nosso notável professor, cronista e crítico de cinema e de literatura, é daquelas pessoas discretas por natureza e por sabedoria. E esse é um dos seus charmes, um dentre outros, certamente só acessíveis aos privilegiados aos quais ele abre a porta, uma fresta que seja, de sua preservada individualidade. Como todo sábio, ele fala menos do que ouve, e quando quer expressar seu pensamento, geralmente escreve mais do que fala. É uma das nossas mais altas estrelas intelectuais, sem nenhuma dúvida, com renome para além dos muros baixos da aldeia, e, ao mesmo tempo, é uma das que faz menos alarde disso. Na verdade, não faz alarde nenhum, e até se esconde quando tal é possível.
Como professor na UFPB – e dos bons - durante muitos anos, naturalmente fez bastante uso da palavra falada como instrumento de comunicação com os estudantes e também com outros ouvintes em eventos culturais diversos, apresentando livros, fazendo palestras etc. Mas , percebe-se logo, é com a palavra escrita, a palavra silenciosamente meditada no conteúdo e trabalhada na forma que ele eleva sua expressão a níveis admiráveis, reveladores de sua competência e de seu talento. Porque nele e em seu texto acontece com rara felicidade aquela conjunção que todo leitor espera achar em quem escreve: ter o que dizer e saber como fazê-lo.
Autor de várias obras sobre cinema e literatura, seu livro Imagens amadas (Editora Ateliê, São Paulo, 1995) se destaca inevitavelmente, por ter repercutido no eixo Rio/São Paulo, conferindo uma dimensão mais ampla ao seu prestígio como crítico cinematográfico. Aqui na Paraíba, sabemos, seu valor já é reconhecido há tempos, pelo menos nos círculos mais esclarecidos, e seu nome é tranquilamente colocado ao lado de outros notórios apreciadores da “sétima arte”, tais como Barreto Neto, Willis Leal, Alex Santos e Mirabeau Dias, cada qual com suas particularidades, como seria de esperar – e de desejar.
Há também uma pequena/grande joia em sua bibliografia que não pode nunca deixar de ser citada. Refiro-me ao livro Um beijo é só um beijo – Minicontos para cinéfilos (Editora Manufatura, 2001), em que ele reúne pequenos textos, cada qual escrito a partir de um filme que o leitor amante do cinema, especialista ou não, identifica sem maiores dificuldades e com grande prazer. Nesta obra preciosa e de muito sabor, o cinéfilo dá a mão ao fino escritor que João Batista é, mostrando, com uma clareza raramente vista, como literatura e cinema andam – ou podem andar – juntos (ou bem próximos).
Outra referência que se impõe, esta de caráter mais acadêmico, pois constitui a sua tese de doutorado, é Signo e Imagem em Castro Pinto, em que ele se debruça longa e analiticamente sobre a obra poética do nosso Sérgio de Castro Pinto, valorizando assim a “prata da casa”, numa atitude corajosa, em que se mesclam grandeza e generosidade. É o tipo de gesto que, a meu ver, faz a diferença, distinguindo positivamente a “persona” de quem o ousa.
João Batista é muito fiel às suas origens. Viveu intensamente sua meninice e juventude no bairro de Jaguaribe e dele nunca se esquece. Sobre a ambiência e os personagens daquele antigo pedaço de nossa aldeia, ele muito tem escrito e falado. É como se fosse seu chão natal, com tudo que isso pode implicar de boas lembranças. A este respeito, ele tem uma crônica simplesmente antológica, cujo título, “Jaguaribice”, confessadamente foi tomado emprestado ao professor Silvino Espínola, seu amigo, o qual, sem nunca ter morado no velho bairro, a ele é muito ligado sentimentalmente. Neste pequeno texto, disponível no 👉🏽 Facebook, o cronista lista e interliga belamente lugares e moradores do Jaguaribe de seu tempo, como só um fino artista poderia fazer, razão por que o tenho como uma obra de arte e o recomendo, principalmente aos antigos moradores do bairro, mas também a qualquer pessoense que ame a cidade. E uma curiosidade: ninguém lê esta crônica melhor que ele próprio, revelando assim, com uma entonação perfeita e para a delícia dos ouvintes, seus insuspeitados dotes de ator.
Jaguaribe lhe deu e dele recebeu muitas coisas. Recebeu, por exemplo, essa bonita fidelidade afetiva que nunca terá fim e o pão gostoso da padaria de seu pai, Seu Rui de Brito, várias vezes entregue aos fregueses pelo menino franzino que nunca fugiu do trabalho e dos deveres filiais; deu-lhe, por outro lado, através de seus cinemas, notadamente o Santo Antonio, o amor aos filmes, base de sua futura condição de cinéfilo e de crítico. Daí a justificada “jaguaribice” que o acomete com frequência.
Quem o conhece, pessoalmente ou por meio de sua produção intelectual, sabe que ele é um dos maiores patrimônios culturais da Paraíba. E o bom é que ele permanece entre nós, lúcido e produtivo, circulando discretamente na urbe, enriquecendo-nos. Precisamos, pois, reconhecê-lo mais, homenageá-lo mais e aplaudi-lo mais.