Li que as funerárias estão em crise devido à estabilização da taxa de mortalidade. Antigamente morria-se mais, hoje as pessoas se cuidam e adiam para bem longe a partida deste mundo. É natural que essa longevidade resulte em prejuízo para um setor que vive basicamente da morte.
Li também (tudo tem outro lado) que o setor funerário vai reagir. Não sei bem que tipo de reação vai ser essa, mas certamente ela envolverá estratégias de marketing para convencer as pessoas de que morrer tem suas vantagens. Pode ser, literalmente, uma coisa do outro mundo.
Um bom marqueteiro não terá muita dificuldade para demonstrar isso. Basta chamar a atenção para os desprazeres a que o indivíduo tem de se submeter quando busca uma vida longa. Ele ganha uns anos, é verdade, mas tem que comer repolho e alface. Verá nascer os bisnetos, mas com a cara enjoada de quem se privou de uma série de delícias gastronômicas e não espera nenhuma recompensa disso. A não ser a de estar vivo, o que em si não quer dizer muita coisa. A vida não é só biologia.
O marketing funerário terá de explorar o dilema entre viver muito, e ralo, ou pouco e intenso. E deverá sobretudo salientar as aporrinhações que tornam a existência um suplício. Entre elas estão o trânsito, as filas de bancos, os serviços de telemarketing, a propaganda eleitoral gratuita, e vai por aí. Será importante lembrar que, morto, o indivíduo vai se livrar dos guardadores de carros e dos guardas que vêm lhe pedir propina. E não terá de se deparar com pragas como incêndios, inundações e influencers das redes sociais.
Os marqueteiros terão de ser muito criativos para contestar o “politicamente correto” que hoje vigora nos costumes. Vão ter que se esmerar em slogans do tipo: “Se você está com um pé na cova, vá em frente”. “Viver é perigoso, enquanto que a morte não traz perigo nenhum.” “Melhor do que sonhar com a eternidade é vivê-la.” Junto com isso virá a conclamação para que o indivíduo não se preocupe muito com a saúde, pois isso pode matar (um pequeno artifício retórico que aparentemente previne as pessoas de um risco no qual se deseja que elas incorram).
Uma boa alternativa seria o resgate de imagens ligadas ao Romantismo; os artistas dessa escola, como se sabe, faziam questão de morrer cedo. Podia-se botar lado a lado Álvares de Azevedo e um desses jovens sarados que malham na academia – e fazer a pergunta: “Quem é mais brilhante?” A seguir viria a legenda: “Ele não precisou de mais do que 20 anos para fazer o que fez.” Isso não nos traria um novo “mal do século”, mas levaria as pessoas a refletir sobre se é mesmo preciso viver tanto para executar sua missão na Terra. Muitos se convenceriam de que não têm missão alguma, estão aqui de graça, e tratariam de procurar um bom desfecho para suas vidas.
Se o leitor considera lúgubre ou pessimista o tom desta crônica, trate de achar uma solução para o mercado funerário. Como qualquer outro setor, ele tem que sobreviver, e só pode conseguir isso caso morramos. Uma solução já, antes que as Parcas da publicidade nos enredem em suas teias.