Na véspera do Natal de 1975, uma linda tarde de segunda-feira, achava-se minha avó Nina, em João Pessoa, com suas diligentes secretária...

Como o sempre vitorioso JK perdeu a eleição na Academia Brasileira de Letras

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Na véspera do Natal de 1975, uma linda tarde de segunda-feira, achava-se minha avó Nina, em João Pessoa, com suas diligentes secretárias Luzinete e Mariquinha, empenhada nos preparativos para a solene ceia da noite seguinte. Enquanto isso, meu avô Plínio Lemos, ocupando o quarto dos fundos, redigia em sua máquina de escrever portátil textos elucidativos sobre o Estado-Novo varguista.

Estavam em casa apenas essas quatro pessoas, quando toca o telefone. Nina atendeu e, novamente, era a secretária do ex-presidente Juscelino Kubitschek, anunciando que ele queria mais uma vez falar com Plínio, que, um minuto depois, já cumprimentava efusivamente seu grande amigo mineiro. JK passou a descrever, então, por mais de uma hora, como decorrera aquela famigerada eleição para a Academia Brasileira de Letras (ABL), em que ele saíra tão lamentosamente derrotado, para eterna vergonha da mais que centenária instituição.

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Nina e Plínio Lemos Acervo familiar

REFRESCANDO A MEMÓRIA

Todos sabem quem foi JK, mas nada custa rememorar alguns "hits" de sua carreira. Nascido a 12 de setembro de 1902, na histórica Diamantina (MG), estudou inicialmente no Colégio Diocesano local e concluiu os preparatórios em 1919. Passou a trabalhar como telegrafista na Repartição Geral dos Telégrafos. Com muitas dificuldades financeiras, ingressou na Faculdade de Medicina de Minas Gerais, localizada na capital, Belo Horizonte, concluindo o curso em fins de 1927. De início, exerceu atividades médicas na clínica cirúrgica da Santa Casa de Misericórdia. Em 1931, alistou-se no 4o. Batalhão da Força Pública (a Polícia estadual mineira), com sede em Uberaba, fazendo parte do corpo de esculápios do Hospital Militar.

Sua carreira política começou após a morte do Governador mineiro Olégario Maciel, em 5 de setembro de 1933, quando se instalou nas Alterosas uma grande celeuma para decidir quem seria nomeado Interventor. Após muitas discussões, num processo que se arrastou até dezembro, o Presidente Vargas decidiu nomear Benedito Valadares. Este, por sua vez, nomeou JK para a Chefia de seu Gabinete Civil.

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Juscelino Kubitschek / Olegário MacielWiki

DE DEPUTADO A GOVERNADOR

JK tratou logo de se filiar ao PP (Partido Progressista), pelo qual se elegeu deputado federal em 1935. Em novembro de 1937, com o advento do Estado-Novo instaurado por Vargas, retornou a Belo Horizonte, assumindo a chefia do serviço de urologia do Hospital Militar da capital mineira. No final de 1938, viu-se promovido a tenente-coronel da Força Pública. Em 1940, o governador Benedito Valadares o convidou a assumir o cargo de 23o. Prefeito de BH, permanecendo nesse cargo até o final do Estado-Novo.

Foi justamente em 1945 que JK encetou tratativas para a criação do PSD (Partido Social Democrático) em Minas Gerais. Relembre-se que a existência de tal agremiação política fora obviada com o apoio dos interventores nomeados por Vargas. E foi por essa legenda que JK se elegeu, no mesmo ano de 1945, para a Assembléia Nacional Constituinte que se instalaria no ano seguinte. Em 1950, disputou com Bias Fortes a indicação do PSD para se candidatar ao Governo de Minas Gerais, saindo vencedor no processo. A eleição demonstrou-se acirrada, mas vence seu concunhado Gabriel Passos — e, em 31 de janeiro de 1951, tomou posse como o 24o. Governador de seu Estado natal, ao mesmo tempo em que o ex-ditador Getúlio Vargas assumia a Presidência do país, dessa vez pelo voto popular.

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Getúlio Vargas com Juscelino FGV

DE GOVERNO A PRESIDENTE

JK fez um Governo estadual desenvolvimentista, mudando a estrutura do estado, antes agrícola, para o início de uma fase de industrialização.

Finalmente, em 31 de janeiro de 1956, tomou posse como o 21o. Presidente do Brasil. Sua posse causou muita polêmica, tanto nos quartéis (com as vivandeiras de plantão, que sempre existiram nas Forças Armadas e que planejavam um golpe militar), como no meio civil, com a UDN questionando o resultado das urnas.


CORRUPÇÃO & COMUNISMO

Ainda houve o “imbróglio” causado com a morte do Presidente Café Filho e a posse de Carlos Luz e Nereu Ramos. Tudo isso é descrito, com maiores ou menores detalhes, nos livros de História. Quando deixou a Presidência da República, em 31 de janeiro de 1961, Juscelino se elegeu senador por Goiás, no pleito do mesmo ano. Na realidade, sua intenção era retornar à Presidência nas eleições de 1965, a fim de completar seu projeto político-administrativo. Mas, com o golpe militar de 1964, viu-se acusado, pelos generais, tanto de corrupção quanto de apoiar os comunistas, como se tais alegações perfeitamente inventadas fossem verdadeiras.

Com esta justificativa teve seu mandato de senador cassado e os direitos políticos suspensos. Após esta infame arbitrariedade, JK partiu para o exílio na França. Quando retornou ao Brasil, no final do ano, foi preso a fim de responder a um inquérito policial-militar (IPM), passando a ser interrogado com a truculência própria dessa fase do governo militar. Após o julgamento, foi absolvido do processo de corrupção pela primeira juíza federal brasileira, a sergipana Maria Rita Soares. Com a publicação do Ato Institucional número 5 (AI-5) em 13 de dezembro de 1968 pelo general-presidente Costa e Silva, foi novamente preso. Após solto, viajou aos Estados Unidos, com a finalidade de tratar da saúde. Regressou a seu país em 1971, à procura apenas de um “lugar ao sol”, como costumava dizer.

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Juscelino no exílio, em Paris FGV

MEMÓRIAS POLÍTICAS

JK nunca se considerou um escritor, pois sua escrita se manifestava principalmente em obras de cimento e cal, como Presidente da República. Em seu livro “50 anos em 5”, quis ele retratar seu ideal de fazer cinco décadas de progresso em cinco anos de realizações. Mas, desde seu retorno da França, em 1967, acalentava o sonho de escrever suas memórias. Somente começou a ter tempo para isso quando se mudou para São Paulo, onde passava a maior parte da semana.

Ao iniciar a redação de suas memórias, JK logo desistiu de continuar sendo político, pois o preço a ser pago por isso revelara-se mui alto. De início, procurou narrar as dificuldades de um garoto pobre no interior de Minas Gerais; um garoto que trabalhava como telegrafista e que chegou a médico e à suprema glória eleitoral, como Presidente da República. Já vinha com essa visão sobre nosso pais desde a viagem que fizera, em meados de 1948, aos Estados Unidos e ao Canadá, quando passara quase cinco meses na América do Norte. A visita lhe alimentara o ideário do que imaginava para o Brasil. Foi assim que se animou a alçar novos voos na vida pública do país.

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CONVERSA DE JK COM PLÍNIO

Voltemos ao contato telefônico de JK com Plínio Lemos, na véspera o Natal de 1975. De cara, foi o ex-presidente da República dizendo, alto e bom som, que sua eleição para a ABL fora "trocada por um bloco de cimento". A história dessa derrota acadêmica, porém, começara realmente com a morte do "imortal", Ivan Lins, ocupante da cadeira 1 da Academia Brasileira de Letras, cujo Patrono é Adelino Fontoura.

Ivan Lins era mineiro de Belo Horizonte, o que de certa forma poderia favorecer JK. Nesse ínterim, o presidente da ABL, Austregésilo de Athayde, resolvera apresentar um projeto para a construção de um anexo ao prédio da Academia, em terreno contíguo à sua sede original. Por ironia do destino, o terreno em que o anexo seria erguido fora doado à instituição cultural quando o próprio JK era Presidente da República. Ao anexo, seria dado o nome de “Pétit Trianon”, à semelhança do que ocorria na Académie Française.

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Academia Brasileira de Letras (Pétit Trianon) IBGE

O MEC E O GENERAL GOLBERY

Esse projeto de Austregésilo, com vistas ao anexo da ABL, foi inicialmente submetido à avaliação do Ministério da Educação e Cultura (MEC), cujo titular, à época, era o Ministro Ney Braga. Quando da submissão do projeto ao MEC, o presiddnte da ABL informou ao Ministro que a vaga do novo imortal seria disputada entre JK e o escritor goiano Bernardo Élis, cuja obra retrata a vida no Centro-Oeste brasileiro. Como deixou claro, tratava-se de mais um escárnio, naquele grave momento, pois tanto JK quanto Élis eram perseguidos pela ditadura militar vigente.

Logo após a escolha de JK como membro da Academia Mineira de Letras, em maio de 1975, seus amigos Jorge Amado e Josué Montello, membros da ABL, resolveram incentivá-lo a ser candidato à vaga deixada pela morte de Ivan Lins. Amado e Montello passaram a monitorar as conversas entre os acadêmicos, sempre levando novas informações a JK, mostrando que este certamente seria o candidato escolhido. Apesar de seus livros retratarem apenas realizações governamentais, já era significativa a contribuição dada à Cultura nacional.

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Jorge Amado / Josué Montello
Fundação Jorge Amado / Casa de Cultura Josué Montello

DISCURSOS COM... BORBOLETAS!

Também ficaram bem conhecidos seus discursos, que saíram postumamente em cinco preciosos volumes. Sabe-se que JK redigia esses seus discursos de próprio punho, apenas pedindo a seu secretário de Imprensa (por exemplo, o escritor Autran Dourado, amigo da maior intimidade) que os passasse a limpo, que os transcrevesse à máquina — mas sempre "colocando algumas borboletas pelo meio", a fim de tornar o texto mais ameno.

Como certa vez relatou, a propósito, o "Diário do Comércio", de Minas Gerais: "O magnetismo do orador [JK] traçava impecável itinerário de trabalho, encharcado de humanismo e poderoso aceno social; e o toque lírico da palavra convincente — as tais borboletas que ele sabia como ninguém introduzir nos textos de conteúdo mais áspero!" E, destarte,"corações e mentes iam sendo conquistados para a causa do redescobrimento do Brasil", justamente pela atuação de JK.

Um de seus biógrafos assinalou, a propósito, com muita propriedade: "Juscelino, sempre afetuoso, não faltou com a bondade, fazendo justiça à fama de cativante orador, um 'soltador de borboletas'. Interessante é que a figura da borboleta — símbolo da beleza, da mudança e da libertação — esteve sempre presente na vida de JK: no desenho urbanístico de Brasília, por Niemeyer e Lúcio Costa (visto também como um avião, um pássaro, uma cruz etc); e em sua casa (hoje museu) na Pampulha, em BH, em forma de asa desse inseto que os entomólogos consideram um lepidóptero na última metamorfose.

A bem da verdade, JK teve outros secretários de Imprensa, como José Moraes e Geraldo Carneiro, também seu secretário particular, primo e amigo íntimo de José Aparecido de Oliveira (1929-2007), natural de Conceição do Mato-Dentro (MG) e que seria secretário de Jânio Quadros. No entanto, Autran Dourado foi o secretário mais duradouro e o de maior intimidade. Tanto que, como revelaria depois, chegava a despachar com o Presidente até no... banheiro!

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Autran DouradoFundep (MG)

GENERAIS NÃO ACEITAM JK

Voltemos à eleição da ABL. De outra parte, o ministro Ney Braga, já sabendo os nomes dos concorrentes à Cadeira número 1 da ABL, comunicou todas as informações (inclusive aquelas referentes ao projeto do anexo da ABL) ao poderoso general, intelectual e teórico geopolítico Golbery do Couto e Silva, ministro-chefe do Gabinete Civil do Presidente Ernesto Geisel.

Os generais não concordaram com a candidatura de JK à Academia, acreditando (ou pelo menos espalhando) que sua vitória implicaria também em seu retorno à Presidência da República. Dessa forma, só restou a Geisel determinar a Golbery e a Ney Braga que exigissem de Austregésilo, que permitira o registro das candidaturas de dois opositores do regime militar, que trabalhasse efetivamente para a derrota de JK. Os generais até admitiam a vitória de um opositor como Élis, de menor perigo para os quartéis, contanto que Juscelino perdesse a parada.

De modo que se concretizou essa autêntica vergonha nacional. Porque ficou claro para Austregésilo: o financiamento de seu projeto somente seria liberado após a derrota de JK na eleição para a ABL. Dito e feito: conhecido o resultado, com a vitória de Élis, saiu o dinheiro para o anexo, financiado "in totum", pela CEF.

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Ney Braga e Ernesto Geisel CC0

COMO FOI A ELEIÇÃO

A eleição ocorreu em 23 de outubro de 1975. Especialmente para Jorge Amado e Josué Montello, patrocinadores da candidatura JK, a vaga já estava ganha. Para surpresa geral, ocorreu uma traição imensurável, sem que fosse possível determinar de onde ela partira. O mais abominável em tudo isso fora a insídia perpetrada pelos acadêmicos, que atuaram não como intelectuais, mas como políticos, enfim, como partidários, como agente ideológicos. Ninguém desconhece que a traição é um forte ingrediente do comportamento dito político...

No entanto, o jornalista Carlos Heitor Cony, que cobria as atividades da ABL e que, por sinal, tornou-se membro da Academia em março de 2000, foi outro que deu significativa ajuda a JK. Em seu livro “JK e a Ditadura”, Cony escreveu: "Havia um clima favorável nos meios intelectuais, que reconheciam a necessidade de uma reparação ao ostracismo e as perseguições que JK vinha sofrendo”.

Mas, nos bastidores, o clima da eleição mostrava-se bastante acirrado, como jamais acontecera. A eleição do sucessor de Ivan Lins apenas terminou no terceiro escrutínio, por 20 votos a 18, com apenas dois votos, portanto, em favor de Bernardo Élis sobre Juscelino.

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Carlos Heitor Cony ABL

ELEGÂNCIA DE JK

No entanto, Kubitschek, com toda a altivez que lhe era peculiar, não deixou de comparecer a sede da ABL, no Rio de Janeiro, em 10 de dezembro de 1975, data da posse do novo acadêmico, Bernardo Élis. E foi aplaudido de pé. Alguns dias depois, viu-se convidado pelo presidente da Casa, o Dr. Austregésilo, para com ele almoçar na própria ABL. Era a vã tentativa de explicar a JK como decorrera o viciado pleito. JK não deixou isso sem resposta. E disse: “Presidente, sou entendido em matéria de eleição. Quando se perde, não se deve perguntar o porquê”.

Como já sabe o leitor, o financiamento do anexo da ABL foi liberado realmente, em 1976, e o prédio construído — mas, como se disse, apenas depois da derrota de JK. Coisas da ditadura, que teimava em cercear as liberdades democráticas, na vã tentativa de exterminar as lideranças políticas remanescentes.

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Juscelino, Guimarães Rosa e Austregésilo de Athayde ABL

DISSABORES DE 1964

JK era homem bastante compreensivo e de bem com a vida, mas não tinha sangue de barata e sabia muito bem lidar com os percalços da Política. Tanto é que, alguns dias após a posse do novo acadêmico, confessou em entrevista à revista "Manchete": “Desejava ardentemente, o prestígio que compensasse os inúmeros dissabores de 1964”.

Quanto a isso, outras coisas a relembrar: entre tantos desacertos existentes na História brasileira, surgira em 1964 outra página negra: o golpe militar, com o apoio de um grupo de civis que tentavam manipular a consciência da população. Recordo-me bem que, ainda adolescente, nesse período obscuro de nossa História recente, era obrigado no Colégio Santo Inácio (no Rio de Janeiro) e no Colégio Marista Pio X (em João Pessoa), a estudar, nos cursos ginasial e científico, algumas disciplinas impostas por essa mesma ditadura: Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Moral e Cívica.

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Colégio Pio X (Capital Paraibana) Mapio

IMORTAL, NÃO "IMORTAL"

Na realidade, a parte mais dura desse regime de exceção ocorreu após a publicação do AI-5, impondo a perda dos mandatos de parlamentares contrários ao regime, bem como intervenções ordenadas pelos generais nos Estados e Municípios, além da suspensão de quaisquer garantias constitucionais. Isso, eventualmente, resultou na institucionalização da tortura, comumente usada como instrumento de Governo.

Infelizmente, num domingo, em data de 22 de agosto de 1976, quando viajavam de São Paulo para o Rio de Janeiro, o ex-presidente JK e seu leal motorista, Geraldo, morreram no mais estranho e inusitado acidente ocorrido na Via Dutra. Pareceu até algo arquitetado por alguma mente diabólica da repressão. Kubitschek não conseguiu ser "imortal" pela ABL, mas se tornou de fato imortal na memória do povo brasileiro, por tudo quanto realizou em vida.

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CNV

VOTO DE JOSÉ AMÉRICO

JK encerrou a conversa telefônica com Plínio Lemos afirmando haver gostado tanto da Paraíba que pretendia fazer nova visita a nosso Estado, no ano seguinte, em companhia da esposa Sarah. Foi assim que Juscelino terminou seu relato sobre aquela triste eleição que tanto maculou a imagem da ABL.

Algo que sempre me deixou muito pensativo: saber em quem o "imortal" paraibano José Américo de Almeida votara nessa fatídica eleição, o que, em verdade, é impossível de saber. Primeiro porque, a cada escrutínio, todas as cédulas eleitorais são incineradas numa urna especial, como ocorre na eleição de um Papa; e, depois, porque Zé Américo jamais abordou esse tema, nem para mim mesmo, seu sobrinho e com quem tinha estreita convivência.

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José Américo de Almeida / Plínio Lemos RHCG

E SEU FILHO GENERAL?

Convivi com o "Solitário de Tambaú" praticamente desde que nasci, inclusive indo à sua casa na Rua Getúlio das Neves, 25, Jardim Botânico (RJ), todos os sábados, a fim de brincar com seus netos. Portanto, conhecia-o muito bem e, assim, tenho a impressão muito particular de que seu voto foi para JK. Esta minha impressão provavelmente contraria historiadores, jornalistas e outros que escreveram sobre o assunto.

Também confesso achar que seu filho, o general Reynaldo de Almeida, poderia até lhe ter pedido que não votasse em JK, para seguir o entendimento dos comandos militares superiores. Mas igualmente posso assegurar que José Américo não era homem, por sua própria personalidade, de acatar de boa mente esse tipo de sugestão.


JK E OUTROS VOTOS

Em seu livro "A Academia do Fardão e da Confusão", o escritor e jornalista Fernando Jorge assinala que o historiador e acadêmico Pedro Calmon, "que havia prometido votar no iJuscelino, votou em Bernardo [Élis]. Outro acadêmico, o Adonias Filho, a quem o Golbery fizera uma advertência, também votou no escritor goiano. Adonias tinha interesse em votar no candidato da ditadura, pois em 1965 foi agraciado com a
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Ordem do Mérito Militar,em 1967 ocupou o cargo de membro do Conselho Federal de Cultura e em 1971 o Governo o nomeou diretor da Biblioteca Nacional.

Fernando desce a outros detalhes: "Esmagadora seria a vitória do Governo, o Bernardo Élis receberia mais de 30 votos, se lá na Academia todos os 'imortais' apoiassem o presidente da Casa, homem sempre disposto a acatar as ordens do Palácio do Planalto. Já existia no grêmio [a ABL], porém, uma campanha contra o Austregésilo de Athayde. A longa gestão deste ofendia a vaidade incomensurável do Josué Montello e do Afonso Arinos de Melo Franco, que nutriam o sonho ardente de enxotá-lo da Presidência e ocupar seu lugar". E acrescenta meu quase competo xará Jorge:

— Os acadêmicos dóceis, submissos (eles compunham a maioria) eram premiados pelos generais. Essa derrota do Juscelino, contudo, é prova eloquente, incontestável, de que a Academia se acovardava diante do Governo. De espinha dorsal muito flexível, espinha mole como uma gelatina, faltava-lhe o brio, a altivez, a independência na maioria de agir. Ela envergonhava o país, agredia nossos sentimentos de honra e me enojou...


ÉLIS SE DEU MUITO MAL

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Bernardo Élis FGV
Mas houve uma "vingança involuntária" em favor de JK: seu rival eleito para a ABL, Bernardo Élis, frustrou-se enormemente com a Cadeira acadêmica, declarando à Imprensa, com todas as letras, que ser "imortal" nada valia, que a "imortalidade" era um perfeito "abacaxi"! Tratava-se de um escritor competente, mas ingênuo; as vendas de seus livros caíram incrivelmente; e ele, apesar dos "jetons" e do chá das cinco, ficou sem dinheiro para pagar o modesto, mas caríssimo aluguel do apartamento carioca! Assim, não mais compareceu à ABL e voltou tristemente a residir em Goiânia (GO).

Por outra ironia do destino, a Cadeira 38 da ABL, com a morte de seu ocupante, José Américo de Almeida, passou a ser de... José Ribamar Ferreira de Araújo Sarney, mais conhecido por Zé Sarney; e que, segundo Luiz Viana Filho, ia mesmo ganhar mais essa sua eleição, porque "não vai descansar um minuto", segundo lhe confidenciara: "Candidato que se preza só fecha um olho quando dorme; o outro fica aberto para não perder de vista o adversário”.

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