Em julho de 1998, estava há dois anos e meio trabalhando em Bogotá, na Colômbia, como funcionário de carreira da OPAS/OMS, na qualidade...

Andrés Pastrana e o guarda-chuva amarelo

cronica viagem colombia peru mexico
Em julho de 1998, estava há dois anos e meio trabalhando em Bogotá, na Colômbia, como funcionário de carreira da OPAS/OMS, na qualidade de Assessor de Saúde Ambiental no País. Todos os funcionários de nível internacional, como eu, possuíam passaporte diplomático e, por essa razão, tinham oportunidade de participar de encontros com diplomatas estrangeiros, festas sociais, e algumas vezes conversar até com o presidente da República. Nossas esposas também estavam em contato com as embaixatrizes e esposas dos embaixadores, participando de eventos, cursos e reuniões diversas.

Bogotá
No governo do presidente Ernesto Samper Pizano, nascido em 3 de agosto de 1950, tive oportunidade de falar com ele duas vezes. Gabriel García Márquez no seu livro Noticia de um Secuestro, cita que Samper, quando era pré-candidato a presidente, sobreviveu a uma rajada de onze tiros, e chegou ao governo do país cinco anos depois, ainda com quatro projéteis alojados no seu corpo, os quais soavam toda vez que passava nas portas magnéticas dos aeroportos. É também diplomata, comandou a Colômbia entre 1994 e 1998 e é atualmente Secretário-geral da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

cronica viagem colombia peru mexico
Daniel Pizano ▪ @DanielSamperPi
Daniel Samper Pizano, seu irmão, nasceu em 8 de junho de 1945, hoje com 77 anos de idade. É advogado, jornalista e escritor com muito senso de humor, estilo nosso Luís Fernando Veríssimo. Um de seus livros mais famosos é “Lecciones de histeria de Colombia”. Outro muito interessante, intitula-se: “Si Eva hubiera sido Adán”. Em um dos capítulos desse livro ele destaca com ironia a longevidade de nossos antepassados. E comenta: “Se fosse hoje, Matusalém deveria receber o prêmio Próstata de Ouro, pois viveu 969 anos. Yéred, morto aos 962 anos, seria condecorado com o troféu Próstata de Prata, e Noé, o da Arca, que só viveu 950 anos, com o de Próstata de Bronze. Muitos outros patriarcas morreram prematuramente quando eram jovens: Abraão aos 175 anos, Jacó aos 147 e Moisés aos 120 anos. Os demais não chegaram nem a um século, devido ao aumento da mortalidade infantil”.

Não posso deixar de citar outro personagem importante da Colômbia, o pintor e escultor Fernando Botero Angulo, mundialmente famoso, nascido em Medelín no dia 19 de abril de 1932. Suas obras são dedicadas, na grande maioria, por tudo aquilo que tem a ver com o tratamento dos volumes e das formas de modo a se obter um efeito de monumentalidade.

cronica viagem colombia peru mexico
cronica viagem colombia peru mexico
cronica viagem colombia peru mexico
cronica viagem colombia peru mexico
Fernando Botero

No começo de agosto desse mesmo ano (1998), recebi um convite enviado pelo presidente do Congresso da Colômbia para participar da posse do novo presidente Andrés Pastrana Arango que seria realizada na sexta feira do dia 7 daquele mês, às 15 horas no Capitólio Nacional. O convite estava marcado com um “D” de diplomata, inscrito em um círculo verde e cada convidado teria que apresentá-lo na ocasião da chegada ao recinto.

cronica viagem colombia peru mexico
Sérgio Rolim
O Capitólio Nacional teve sua construção iniciada em 1848 e finalizada definitivamente em 1926. Como é fácil prever, diversos arquitetos estiveram a cargo dessa obra. É uma das construções neoclássicas mais representativas da arquitetura da Colômbia.

Bogotá está construída sobre a Cordilheira dos Andes. Tanto é que a propaganda da prefeitura da cidade é: “Bogotá, 2.650 metros más cerca de las estrellas”. A temperatura média anual é de 16,5 ºC, com precipitação ao redor de 1.000 mm por ano. A metade dos dias do ano chove em Bogotá, algumas vezes com chuvas intensas e trovoadas. Os meses mais secos são janeiro, julho e agosto. Porém, não se sente muito o frio por causa do clima seco, com pouca umidade, dificultando o crescimento de baratas e outros insetos, além da vantagem de diminuir bastante a possibilidade de proliferação de mofo.

cronica viagem colombia peru mexico
Capitólio Nacional da Colômbia, em Bogotá ▪Luis Romero / Wikimedia
Foi montado um anfiteatro ao ar livre em frente ao Capitólio e dividido em três partes para a solenidade de posse do novo presidente. Por ocasião da chegada de cada convidado, após a entrega do convite ao segurança, cada autoridade recebia um grande guarda-chuva para depois ser orientada para um determinado local. Era apenas uma questão de prevenção. Embora no mês de agosto, teoricamente chovesse menos, ninguém poderia garantir que as autoridades não pudessem se molhar durante a posse, devido a uma chuva repentina. O guarda-chuva que recebi era de cor amarelo-canário muito forte. Não me agradou a cor. Demasiadamente berrante.

A solenidade teve, como é usual, uma sequência de muitos discursos, com várias autoridades, principalmente representantes dos países latinos. Quem representou o Brasil foi nosso Vice-Presidente Marco Antônio de Oliveira Maciel.
cronica viagem colombia peru mexico
cronica viagem colombia peru mexico
Cerimônia de posse de Andrés Pastrana, Bogotá, 1998 ▪ APA
Pensei em conseguir um contato com ele, porém o esquema de segurança era muito forte e, logo desisti. Quem me conhece, sabe que sou avesso a essas solenidades. Só participei por dever de ofício.

Por outro lado, observei que havia outras pessoas de posse de guarda-chuvas de cores diferentes, vermelho e azul. Encontrei na saída um cidadão com um guarda-chuva azul. Perguntei se ele queria trocar pelo meu. Aceitou de pronto. Minha esposa assistiu à solenidade pela TV e quando cheguei em casa, me disse: “Seu guarda-chuva não era amarelo, por que você trouxe um de cor azul? A cor amarela era para as autoridades mais destacadas”. Respondi que iria aproveitar o guarda-chuva para usá-lo e não para dizer que a cor amarela era para pessoas importantes. Como sou muito distraído, não percebi que as três cores distintas estavam representando as cores da bandeira colombiana.

Andrés Pastrana, nasceu em Bogotá no dia 17 de agosto de 1954 e foi o trigésimo presidente da Colômbia, no período de 1998 a 2002, tendo seguido os passos do pai Misael Pastrana Borrero, também presidente entre 1970 a 1974. Estudou nos Estados Unidos como todo colombiano de posses e depois de sua graduação,
cronica viagem colombia peru mexico
Andrés Pastrana ▪ US Gov. / PD
frequentou a Universidade de Harvard como bolsista do “Weatherhead Center for International Affairs” em 1978. Ficou muito conhecido no país depois que fundou a revista Guión e do noticiário “Noticiero TV hoy”. Dez anos depois de sua participação como bolsista, foi sequestrado no departamento de Antióquia pelo Cartel de Medelín. A ideia do grupo terrorista era pressionar o governo para impedir a extradição de Pablo Escobar e outros traficantes para os Estados Unidos. Teve muita sorte. Só passou uma semana sequestrado e nesse mesmo ano foi eleito prefeito de Bogotá. Posteriormente, como governante do país, tentou resolver o problema que se alastra há mais de cinquenta anos, na tentativa de chegar a um acordo com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). As FARC foram fundadas em 1964 e continuam até hoje.

Quase três anos depois, no dia 1º de fevereiro de 2001, fui aprovado no concurso para ocupar novamente o posto de Assessor em Saúde Ambiental da OPAS/OMS, desta vez, na Cidade do México. Um pouco antes, como é de praxe, tivemos que empacotar nossos pertences, vender os eletrodomésticos seminovos e outros haveres a custo de banana etc, etc, para poder efetuar nosso futuro traslado. Voltando ao guarda-chuva, desta vez, azul. Por incrível que pareça, nossa citada umbrella continuou empacotada e remetida pela nova transportadora para o México. Claro, como poderia perder esse útil e importante artefato histórico (para mim)?
cronica viagem colombia peru mexico
Cidade do México ▪ C. Aranda
Pouco a pouco nos adaptamos ao México e às famosas comidas picantes, das quais meu estômago nunca aceitou. Além de ser obrigado a aprender a dirigir e se adaptar em uma cidade com 22 milhões de habitantes (na época não existia GPS). Na Cidade do México, praticamente não chovia. O guarda-chuva azul continuou embalado no depósito de nosso apartamento.

Na realidade, meu ideal, desde o começo, era trabalhar como funcionário de carreira no reconhecido Centro Pan Americano de Engenharia Sanitária e Ambiental (CEPIS) da OPAS/OMS, como pesquisador e consultor de Águas Residuais para a América Latina. Entretanto, esse cargo ficou fechado durante 10 anos. Aconteceu que esse posto foi aberto, quando estava recentemente a trabalhar no México. Não poderia perder essa oportunidade. Tive que participar de outro concurso para essa única vaga, quando, após minha aprovação, comecei minha labuta no dia 21 de setembro de 2002, em Lima, capital do Peru, onde estava localizado esse importante centro de pesquisas. Tivemos que providenciar nossa mudança rapidamente e, para surpresa de vocês, quem foi incluído nessa bagagem? O meu famoso paraguas azul com sua embalagem original desde a mudança da Colômbia.

cronica viagem colombia peru mexico
Lima, Peru ▪W.J. Vasconcellos
Devido às minhas constantes viagens a serviço pela América Latina, vez por outra vinha ao Brasil para ministrar cursos de extensão ou participar de algum evento importante na minha área. Em uma dessas vezes, creio que foi no ano 2004, vim participar de um seminário em Brasília, e aproveitei para tirar três dias de férias em João Pessoa (nossa organização permitia essa vantagem, férias parceladas a partir de um dia útil).

Foi aí que decidi levar meu (já famoso) guarda-chuva azul para João Pessoa. Em Lima, não teria nenhuma utilidade, pois, sua precipitação anual é cerca de 50 mm, devido ao fenômeno Humboldt (Alexander von, 1769-1859). Isso acontece devido a uma corrente marítima, muito fria, originada próxima da Antártida que passa no sentido norte do Oceano Pacífico pela costa ocidental da América do Sul nos litorais do Chile e do Peru. Ocasionado pelo encontro dessa corrente com a Cordilheira dos Andes, a evaporação das águas é impedida de acontecer, por causa da baixa temperatura e da pouca umidade relativa do ar, dando margem à formação de desertos, o Deserto de Atacama, no Chile, por exemplo. Essa manifestação da natureza também faz com que a precipitação
cronica viagem colombia peru mexico
Costa peruana ▪Nat Conservancy
pluviométrica diminua enormemente em Lima, Peru, fazendo com que a chuva seja quase uma raridade. Por outro lado, esse fato favorece a produção de peixes, em grande parte, devido à produção de plâncton, considerada a base da cadeia alimentar dos ecossistemas marítimos. É uma das razões pela qual o Peru representa 15% da produção mundial de peixes, o país mais piscoso do Planeta.

Quando cheguei no aeroporto de Guarulhos, caí na amostragem da Receita Federal. Meu passaporte diplomático não serviu para nada. E, além da minha mala, estava comigo o pacote com meu guarda-chuva azul. Dentro de minha bolsa de mão havia trazido também, várias moedas de prata. O fiscal iniciou implicando com elas. Expliquei que pertencia à área da numismática desde os oito anos de idade. E as moedas tinham pouco valor. Como viajava muito, pouco a pouco fui aumentando minha coleção. Tive que convencê-lo com muita conversa para que não cobrasse imposto nem multa por tê-las trazido comigo. Quando estava pensando que já estava livre, perguntou novamente: “O que você tem dentro deste pacote”? Respondi: um guarda-chuva. “Um guarda-chuva? Nunca na minha vida de fiscal presenciei alguém trazendo uma guarda-chuva tão bem embalado em uma caixa”. Já estava que não aguentava mais de tanta chateação. Foi então que respondi: Na vida, a gente está sempre aprendendo. Você agora vai saber que é possível transportar um guarda-chuva embalado em uma bonita caixa de papelão, em qualquer aeronave. Imaginem se ele soubesse que esse guarda-chuva era testemunha da posse do presidente da Colômbia!

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Anônimo2/7/23 10:21

    Meu cara Sérgio, que narrativa fantástica.
    Interessantíssima. Acho mesmo que vc já deveria ter escrito um livro relatando o tempo de vivência naqueles países. Vc tem uma capacidade notável de relatar o que viu e o que fez na vida. Mais uma vez, parabéns pela crônica espetacular. You're the most.

    ResponderExcluir
  2. Anônimo2/7/23 10:47

    Como sempre, belo texto, e excelente experiência você transmite aos sucessores.

    ResponderExcluir
  3. Anônimo2/7/23 10:48

    Muito agradável ler o q escreves! Vivenciamos e aprendemos muito com tuas andanças! Parabéns pela vida versátil e repleta de avebturas

    ResponderExcluir
  4. Nilo Magalhães Rolim2/7/23 21:37

    Sérgio você escreve muito bem como um reporter que narrasse suas vivências. Para mim, seu texto é ainda mais interessante por eu ter conhecido, como turista, os lugares citados. Só me falta conhecer o Equador, na América do Sul. Mas ainda vou até lá. Ao México fiz várias viagens, além de Cancun. Um país espetacular. Parabéns pelo seu trabalho em prol da América Latina. Que acho de uma riqueza cultural imensa.

    ResponderExcluir

leia também