Há algum tempo que as esquinas das praias (talvez da cidade toda) foi tomada por pedintes; venezuelanos, paraibanos, adultos e crian...

A menina e o malabares

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Há algum tempo que as esquinas das praias (talvez da cidade toda) foi tomada por pedintes; venezuelanos, paraibanos, adultos e crianças. Por aqui em Manaíra/Bessa, sempre via uma turma de crianças meninas, a fazer malabares em um sinal de trânsito específico. Meninas crianças, com shortinhos e top (a triste sexualização na infância), rasgados é verdade, e com duas, três laranjas, a tentar fazer algumas peripécias na esquina, subir uma na outra e derrubar essas laranjas na primeira jogada, para ganhar alguns trocados. Eu sempre ficava a olhar aquela cena num misto de dó e raiva. Raiva de ver as nossas meninas em situação de tanta vulnerabilidade. Dó de ver aquela meninice desperdiçada com laranjas desobedientes.

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Diocense de Campos (RJ)
Esta semana saiu um relatório da ONU com os dados vergonhosos de que milhões dos brasileiros estão passando fome, geladeira vazia em estado de vulnerabilidade alimentar – não sabem o que vão comer no dia. “Brasil tem mais de 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões em insegurança alimentar, diz ONU. Um relatório publicado pela ONU nesta quarta-feira (12) mostra que a insegurança alimentar e a fome aumentaram no mundo. No Brasil, 1,5 milhão de pessoas passaram a fazer parte dessa realidade, que afeta mais de 70 milhões de brasileiros. O Brasil tem 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões em insegurança alimentar. Segundo o relatório, são 10 milhões de pessoas desnutridas no país”. (dados do G1).

Sou uma pessoa que sempre cuidei da comida da casa (na organização) e isso implica em abrir a geladeira a cada manhã, fazer o cardápio, a feira (priorizando a minha boa alimentação e da minha família, variar os legumes e frutas e também fazer os gostos de cada um, dentro do possível). Quando tomei a minha própria casa, aos 19 anos, só sabia fazer ovo. Mas fui aprendendo (gosto muito de comer e experimentar novos sabores) e, principalmente a ensinar. Ao final, as diaristas e/ou ajudantes, sabiam fazer a minha galinhada ao curry, torta de espinafre, quiabo refogado, vegetais al dente, feijãozinho gostoso sem carne, sopinha de legumes, bisteca de porco com alecrim e maçã, legumes no vapor, saladas tantas, peixe frito, purê de jerimum... Os meus pratos preferidos.

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@Tudogostoso
Fazer a feira é uma tarefa que sempre amei, mas que exige uma eficiência na administração doméstica: ver o que falta, o que está há tempos na geladeira, o reciclar, o economizar, o não desperdício, os orgânicos, a saúde, e tantas outras tarefas organizacionais que sempre fiz questão de fazer. E gosto até hoje – morando sozinha e fazendo tudo isso ainda. Herdei da minha mãe toda essa expertise, ela era uma maravilhosa cozinheira e administradora do lar. E econômica que só ela, para os trocados da feira renderem vestidinhos para as quatro filhas, que ela mesma costurava com maestria.

Tudo isso me invadiu os pensamentos quando penso na frase do Betinho – “A fome tem pressa”. E é uma vergonha que um país como o Brasil, tão grande, e
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@CMT
exportador de tantos grãos, que a sua população passe fome. Daqui da minha cozinha, reparto, divido, e ensino as pessoas menos favorecidas a fazer refogados com os talos das verduras, bolo de casca de banana, e o aproveitamento ao extremo do que chega na mesa. Mas sei que não é fácil mudar os hábitos alimentares. Tenho duas irmãs da área que muito me inspiram: (Ana Cláudia (Claude), nutricionista/sanitarista; e Ana Teresa (Teca), engenheira de alimentos. Todas duas que sempre trabalharam com as questões alimentares).

Tudo isso para dizer que, sabe as meninas malabaristas do sinal? Esta semana parei e lá estavam as duas, crescidas, já mocinhas, uma em cima da outra, com as mesmas laranjas desequilibradas, a fazer número. Quando terminou, entre o sinal fechado e o verde, uma delas exibiu a sua barriga de grávida. Uma criança grávida de outra! Fiquei chocada, mal e triste. Constatar a fome no país já é de embrulhar o estômago de quem come bem, agora fome com gravidez nessa situação de vulnerabilidade, nos deixa insone e mais impotentes. Um futuro de mais abandono e miséria. A pobreza feminina. A desigualdade. E a violência contra as meninas, essa me cortou os pulsos e o coração.

Que tragédia tododiatodo! E sempre. E sem luz no fim do túnel.

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  1. Mais triste é constatar que certas ideologias só enxergam essa vulnerabilidade como ferramenta para alcançar poder e mantê-lo a qualquer custo. O vulnerável é o instrumento que precisa ser mantido naquele status.

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