Durante o período de vinte e quatro anos (1630-1654) de ocupação contínua do Nordeste brasileiro pelos holandeses, pode-se considerar ...

A insurreição contra os holandeses na Paraíba

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Durante o período de vinte e quatro anos (1630-1654) de ocupação contínua do Nordeste brasileiro pelos holandeses, pode-se considerar que foi de guerra quase todo o tempo. Para Evaldo Cabral de Mello, “de verdadeira paz, o Brasil holandês só conheceu o período 1641-1645 [...] por conseguinte, a realidade radical da dominação batava foi a guerra, não a paz”. Mas, mesmo esse curto intervalo de cinco anos indicado como pacífico pelo historiador pernambucano merece ressalvas. Em setembro de 1643, rebentou no Maranhão uma revolta contra os holandeses que, no final de fevereiro do ano seguinte, expulsaria de lá os flamengos. Para o historiador Pedro Puntoni, “diferentemente do que se imagina, a revolta luso-brasileira se iniciou no Maranhão, e não em Pernambuco”.

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Paisagem do MaranhãoBrosterhuyzen / Frans Post, 1647 ▪ Rijskmuseum, Amsterdã
Por volta do início de 1642, Portugal teve a percepção que através das negociações diplomáticas que se realizavam em Haia não conseguiria a restituição da parte do Nordeste brasileiro que estava em poder dos holandeses. Foi a partir daí que se deu o envolvimento da Coroa portuguesa, mesmo que de forma dissimulada, no incentivo a um movimento insurrecional luso-brasileiro na região. Em meados daquele ano, foi designado um novo governador-geral para o Brasil com essa incumbência e que partiu de Lisboa acompanhado do paraibano André Vidal de Negreiros que, segundo Evaldo Cabral de Mello, seria “um dos articuladores do plano” da insurreição que, afinal, viria a ter aprovação de D. João IV:

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Evaldo C. Mello
“d'El-Rei, que, em começos de 1644, deu a luz verde para a insurreição. Em janeiro, tendo o Conselho Ultramarino informado haver recebido propostas da Paraíba [...] o Conselho sugeriu a D. João IV que ‘assim como fez aos mais’, isto é, aos de Pernambuco, fizesse também ‘alguma promessa aos paraibanos’”.

Conforme registrou o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, o rei português, em caso de sucesso da rebelião, teria prometido a Vidal de Negreiros o governo do Maranhão. Para Varnhagen, “o êxito obtido com a restauração do Maranhão não podia deixar de excitar os brios de André Vidal para se esforçar de novo em conseguir realizar a de Pernambuco e a da Paraíba, pelas quais tanto se havia empenhado”. André Vidal de Negreiros, já era uma figura bastante conhecida entre os holandeses desde 1640 quando comandara vários ataques contra propriedades na Paraíba, o que o fez merecedor da citação do escritor neerlandês Gaspar Barléu que o considerou “homem audaz, astuto e, conforme o negócio em que se empenhava, perverso ou enérgico”.

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Paisagem da ParaíbaBrosterhuyzen / Frans Post, 1647 ▪ Rijskmuseum
Em maio de 1644, Maurício de Nassau embarcaria na Paraíba de volta para a Holanda. Nas palavras de Evaldo Cabral de Mello, “com a partida de Nassau, em maio de 1644, a conspiração luso-brasileira tomou vulto”. Menos de um ano depois da partida de Nassau, uma correspondência da administração holandesa no Recife enviada, em fevereiro de 1645, à direção da Companhia das Índias Ocidentais — WIC nos Países Baixos comunicava a existência por parte dos luso-brasileiros de “maquinações secretas para se rebelarem contra nós” e relatava um episódio que ocorrera no ano anterior:

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“Depois da partida de Sua Excelência (Nassau), essas conspirações vêm progredindo diariamente [...] Há fortes razões para se acreditar que a vinda de André Vidal, da Bahia, em agosto último, com o pretexto de fazer despedidas antes de regressar a Portugal onde irá servir seu rei, teve como objetivo principal verificar pessoalmente qual a situação aqui reinante a fim de poder informar tanto o governador da Bahia, como a Corte, em Portugal. É também provável que tivesse procurado sondar as disposições dos nativos, bem como estimular os partidários a lutar por sua causa mediante a promessa de prontos socorros da Bahia. Mais tarde viemos a saber que esteve presente em vários conciliábulos”.

Pelos fatos relatados na correspondência enviada para a Holanda pela administração neerlandesa em Pernambuco, André Vidal de Negreiros havia conseguido enganar o governo holandês no Recife obtendo permissão para ir à Paraíba visitar o seu pai, mas, na realidade,
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Joan Blaeu Jr,S.XVII
a sua viagem teve a finalidade de promover confabulações para iniciar uma rebelião contra os flamengos. A astúcia que fora utilizada por Vidal com relação ao governo batavo em Pernambuco chegou a ser ironizada em um panfleto que circulou, por aquela época, nos Países Baixos:

“Vidal, que teve ordem de vir outra vez da Bahia a Pernambuco com cartas de Portugal, e os senhores governadores o admitiram com lhes dizer que se achava no Recife porque tinha de partir para Portugal, e queria despedir-se de seu pai, que é um velho carpinteiro residente na Paraíba, a quem tanto lhe interessava visitar quanto a nós ver o rei do Congo”.

Depoimentos de contemporâneos dos fatos, como o do francês Pierre Moreau, que era um servidor da WIC, confirmam que André Vidal durante aquela sua visita a Pernambuco e à Paraíba manteve contatos com moradores das duas Capitanias visando à preparação de uma insurreição contra os holandeses. Conforme o relato de Moreau, Vidal apresentava nas conversações alguns argumentos para aliciar os moradores para que eles participassem da rebelião contra os batavos:

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“Eles bem sabiam que as leis dos holandeses eram insuportáveis, que estes eram um povo do qual eles diferiam nos costumes, na língua, na religião e na maneira de ser [...] que eles estavam prestes a tornar-se miseráveis sem recursos devido às suas dívidas [...] que estes bebedores de cerveja precisavam ser tratados como tinham sido os castelhanos. Que quanto ao juramento de fidelidade que tinham feito, isso não lhes devia causar escrúpulos, tinham sido forçados pelas armas e seriam absolvidos pelo Papa.”

Dentre os habitantes da Paraíba que foram contatados por Vidal de Negreiros, estavam Jerônimo Cadena, Francisco Gomes Muniz e Lopo Curado Garro, cunhado de Vidal, que viriam a constituir, logo depois, o comando dos rebelados na Capitania da Paraíba. Após alguns entendimentos para a preparação da revolta, Vidal dirigiu-se ao forte de Cabedelo com a intenção declarada de fazer uma visita de cortesia ao seu comandante, mas, na verdade, a sua intenção era observar as instalações da fortificação. Na narrativa de Pierre Moreau:

“depois, (Vidal de Negreiros) foi ao Forte da Paraíba, dito de Santa Margarida, mais para observá-lo com atenção do que para saudar o comandante Blauebeeck, o qual, tendo lido seu passaporte, que dizia fosse ele honrado como um dos Senhores, ofereceu-lhe uma festa [...] e, por ocasião de seu embarque, mandou disparar três tiros de canhão”.
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Forte da ParaíbaBrosterhuyzen / Frans Post, 1647 ▪ Rijskmuseum
No relato daquele panfleto já referido e que foi divulgado na Holanda, quando Vidal embarcou de Pernambuco de volta para a Bahia, um comentário foi ouvido no mercado do Recife: “Deus cerrou os olhos aos senhores governadores, que deixaram vir à terra esse perro, que não traz outro intento senão o de pôr este Estado em agitação e revolta”.

Segundo Pierre Moreau, “a ordem concebida pelo Vice-Rei e por André Vidal, que devia ser obedecida para se apoderar do Recife, da Paraíba e do Rio Grande, pois uma vez tomadas estas praças, teriam as outras e o próprio país”. E, assim, foi idealizado um plano para uma revolta que iniciaria no dia de São João de 1645. Conforme a narrativa de Moreau, pela trama que fora arquitetada,
Cidade Maurícia (ou Mauritsstad), atual Recife
se realizaria naquele dia o casamento da filha de um rico proprietário em Pernambuco:

“o banquete seria célebre e dos mais magníficos, devendo comparecer todos os portugueses de posição e convidados os Senhores do Conselho ou Políticos e outros oficiais holandeses. Após uma lauta refeição e em seguida ao ágape os Senhores e seus criados seriam apunhalados e degolados [...] À noite alguns iriam a Recife [...] a seguir, como de assalto, se apoderariam da porta, das muralhas da Cidade Maurícia e das praças de armas. Na mesma hora uma grande quantidade de barcas, que simulariam vir de Barreta carregadas de açúcar [...] se apresentariam no porto, desembarcariam e dele se apossariam [...]

O plano quanto à Paraíba e o Rio Grande, era o seguinte: nesse mesmo dia de festa se promoveriam como passatempo, jogos de torneios públicos junto às fortalezas, os quais, segundo o seu costume, os holandeses não deixariam de vir apreciar, e, então, carregados de punhais e pistolas, sob suas vestimentas, se encarregariam de seus rivais e os matariam [...] até que se tornassem donos das praças [...] enquanto a frota prometida por Vidal se aproximaria”.

Ao tempo que os luso-brasileiros tramavam a rebelião, os holandeses recebiam denúncias sobre movimentações suspeitas na região. Segundo o neerlandês Joan Nieuhof, que prestava serviços para a WIC e se encontrava em Pernambuco naquela época, em abril de 1645 o Conselho batavo “foi informado por carta da Paraíba” que Filipe Camarão marchava para a região. Ainda no relato de Nieuhof, no mês seguinte, um judeu entregou ao Conselho holandês uma carta anônima na qual eram denunciados alguns envolvidos na insurreição e era dado um alerta:

“admira-se que os senhores se sintam tão seguros, quando é notório que a mata da Paraíba está repleta de forças procedentes do Rio Real constituídas por numerosos negros, mulatos e portugueses chefiados por Camarão”.
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Caspar Luyken, 1646
Com base nas denúncias recebidas, os holandeses conseguiram efetuar algumas prisões, dentre elas a de um dos autores da carta anônima que fora enviada ao Conselho, um senhor de engenho que, segundo Pierre Moreau, havia jurado aos conspiradores segredo sobre a rebelião. Na narrativa de Joan Nieuhof, o delator inquirido pelos batavos a respeito da insurreição, confessou “que os conspiradores tencionavam alastrar a conspiração por todo o Brasil holandês, mas que os habitantes da Capitania da Paraíba eram os de que mais se deviam recear por serem os mais endividados e, portanto, terem muito má vontade para com o nosso Governo”. Para o historiador Ronaldo Vainfas, a grande causa da insurreição foi “o endividamento crônico da açucarocracia luso-brasileira junto à WIC”, citando o padre Antônio Vieira para quem os “principais que moveram a guerra” fizeram-no “porque deviam muito dinheiro aos holandeses e não puderam ou não quiseram pagar”.

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Para Varnhagen, a delação daquele senhor de engenho, fez com que o plano inicial do levante fosse alterado, “impedindo que ele tivesse lugar na Paraíba”. Sabedores de que a conspiração havia sido descoberta, os líderes do movimento — dentre eles João Fernandes Vieira, antigo conviva de Nassau e um dos grandes devedores à WIC —, decidiram antecipar a revolta. Segundo Evaldo Cabral de Mello, “a 13 de junho de 1645, Fernandes Vieira e seus soldados internaram-se pela ribeira do médio Capibaribe para evitar, em inferioridade de condições, o confronto com o inimigo”. Na narrativa de Varnhagen, os membros do Conselho batavo no Recife “tomaram providências para que Paulo de Linge passasse, imediatamente, à Paraíba, a fim de impedir ou de atalhar aí a revolução”. Pierre Moreau relatou as providências que foram tomadas pelos batavos na Paraíba:

“De Linge, político e diretor da Paraíba, temendo que aí acontecesse alguma surpresa dirigiu-se rapidamente do Recife, onde estava, para lá, e à sua chegada fez desembarcar todos os soldados que se encontravam em sete navios [...] prestes a partir para a Holanda [...] alojou-os nos fortes e redutos, foi à Cidade Frederica, a três léguas do mar [...] e mandou que todos os brasileiros (os indígenas) se retirassem e abandonassem suas aldeias, porque os portugueses tinham partido”.

Em Pernambuco, os grupos de combate aos holandeses que se formavam nos engenhos iam se reunindo em uma força cada vez maior que adentrou pelas matas à procura de um local adequado para servir de base para os seus ataques aos batavos, mas foi a população do povoado de Ipojuca que primeiro se insurgiu contra o domínio holandês. No relato de Frei Manoel Calado:

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“Tanto que em Ipojuca se soube como o governador João Fernandes Vieira estava levantado, e metido com gente dentro do mato, logo determinaram de se levantar declaradamente [...] e logo Amador de Araújo, que estava eleito em capitão-mor foi ajuntando a si toda a gente daquela freguesia, que era idônea para poder tomar armas, e uns com paus tostados, e outros com facões, e dardos, e algumas armas de fogo, se preparou para se haver de defender do inimigo”.

A notícia do levante de Ipojuca chegou ao Recife no dia 20 de junho de 1645. Na Paraíba, as providências que foram tomadas antecipadamente pelos holandeses para evitar a rebelião surtiram efeito, conforme o relato de Nieuhof:

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Joan Nieuhof
“Por carta datada de 25 de junho, Paulus de Linge, governador da Paraíba, nos informou de que os habitantes da redondezas se prontificaram a dar novas provas de lealdade, renovando o juramento de fidelidade e que não conseguiu perceber o menor entusiasmo com relação à revolta”.

Conforme o relato de Joan Nieuhof, que registrou do ponto de vista neerlandês os fatos da insurreição luso-brasileira, “a Capitania da Paraíba, dada a habilidade do Governador Paulus de Linge, permaneceu fiel, pelo menos na aparência, até o dia 25 de agosto de 1645”. Ainda segundo Nieuhof, naquele dia, chegaram à Paraíba as notícias da derrota sofrida pelos holandeses no Monte das Tabocas e “da capitulação do forte de Santo Agostinho e, alentado pelo reforço de cinco ou seis companhias da Bahia e abundantes remessas de armamentos enviados de Pernambuco por André Vidal, o povo começou a tomar armas a fim de cortar a comunicação entre a guarnição postada no Mosteiro de São Francisco (lugar não fortificado), Frederica, e os fortes próximos ao litoral”.

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Cidade Frederica (ou Frederikstad), (atual João Pessoa)Brosterhuyzen / Frans Post, 1647 ▪ Rijskmuseum
O português Diogo Lopes Santiago, que se encontrava na Paraíba na ocasião, também relatou a situação na Capitania após as primeiras notícias de vitórias dos insurgentes:

“Tornou-se para a cidade da Paraíba o governador Paulo de Linge, e tendo novas da gloriosa vitória que alcançaram os nossos no Monte das Tabocas, e da chegada dos mestres de campo André Vidal de Negreiros e Martim Soares Moreno, mandou retirar todos os moradores flamengos, que pelo distrito daquela capitania moravam com suas mulheres e filhos e bens móveis que possuíam, para a fortaleza que chamam do Cabedelo, que dista cinco léguas da cidade e está junto da barra, e fazer outras prevenções para se defender”.

A guerra de restauração do Nordeste brasileiro para Portugal ainda continuaria por oito anos e cinco meses, até o dia 26 de janeiro de 1654, data na qual os holandeses capitularam no Recife.

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  1. Parabéns, Flávio.

    Mais um ótimo artigo para despertar o interesse dos leitores pela história da Paraíba. 👏🏽👏🏽👏🏽

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