Manhã dessas, eu estava entrando numa loja da avenida Epitácio Pessoa e o celular tocou. Ainda na calçada, atendi ao chamado. Como era uma conversa demorada e insossa, fiquei por ali perambulando, ora escutando o telefone, ora o resto do mundo.
Ah, como são inconvenientes os celulares... Típicos invasores de privacidade! Mesmo reconhecendo suas vantagens, ele não deixa de ser, às vezes, um objeto chato, inoportuno.
Já que a manhã era de sábado, o que fomenta o bom humor, folguei a tolerância e dei ouvidos à conversa. E era um sábado cheio de luz, vento e sol. Vai ver que o amigo tagarela, antes de resolver abrir a boca, ainda não havia aberto suas janelas. Aliás, certas preocupações, mormente as risíveis, são como cortinas nas janelas, que nos impedem de ver além.
E eu na calçada, pra lá e pra cá, telefone no ouvido, com uma vontade louca de dizer “veja a manhã como está bonita! Esqueça isso. Vá abrir as janelas. Todas! Dos olhos, da alma, do coração... Não deixe o tempo escoar em vão”.
De repente, chamou-me atenção um formigueiro no jardim da loja. Era um formigueiro bem arquitetado e muito bem cuidado, localizado junto de uma touceira, com as bordas cuidadosamente bem feitas. O tráfego de formiguinhas era fluente e organizado. Então observei uma que carregava uma semente vermelha, muito grande para o seu tamanho. Batizei-a de “Tininha”.
Com muito esforço ela desviava, arguta, as folhas e galhos do gramado, desafiando a própria lei da gravidade. Que perseverança admirável! E o instinto nem a deixava perceber que aquela semente, dura e lisa, jamais lhe serviria de comida.
Encantado com Tininha, desacelerei-me a vida, tal que já nem mais ouvia o papo bobo no celular. Além de ser uma lição, a cena era um peculiar deleite poético. Agora ela já chegara perto da beira do buraco. Parou, olhou para os lados, suspendeu ainda mais os ombros, e começou a descer. Lá dentro, para minha surpresa, ao invés de juntar a semente aos mantimentos, Tininha a colocou em cima da mesa. Estava decorando a “casa”, que não tinha janelas, nem ela tinha tempo para conversas no celular...